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Sinopse

Dr. Mukwege é um médico que há 20 anos dedica sua carreira a tratar mulheres vítimas de estupro durante os ainda correntes conflitos no Congo. Fundador de um hospital especializado nos casos e um militante de fama internacional, ele já foi alvo de um atentado de radicais, e hoje vive sob proteção das Forças de Paz da ONU.

Crítica

A palavra consertar remete a retornar ao estado primário algo que estava quebrado ou apresentava algum defeito. Logo, a primeira impressão que o título do documentário dirigido por Thierry Michel e Colette Braeckman causa, em especial nas espectadoras, é certo desconforto. Porém, o personagem central de Dr. Mukwege: O Homem que Conserta Mulheres está longe de integrar o grupo que trata mulheres como objetos. Premiado com o Nobel da Paz em 2013 por seu trabalho junto às moradoras da República do Congo, o médico se mostra de cara limpa no filme, vivendo na fronteira entre a fama e a batalha.

A cena de abertura do documentário é justamente o registro da entrega do importante prêmio ao médico que, após o massacre ocorrido em Ruanda em 1994, dedicou-se ao setor de ginecologia do Panzi Hospital, localizado na província de Bukavu. Mais que seguir uma rotina hospitalar comum, Mukwege trata e orienta mulheres vítimas de violência sexual por parte de soldados envolvidos no conflito instaurado no Congo desde os anos 90. Os depoimentos presentes no filme são fortes e não fazem cerimônia para colocar o dedo numa ferida, infelizmente, ainda aberta. Quando sobrevivem, algumas vítimas precisam passar por cirurgias complexas e é grande o número das que se tornam estéreis e têm órgãos internos afetados. Mukwege sabe que, mais que a dor do corpo ferido, há a destruição da alma. É aí que o médico entra com o “conserto”, curativo para que a vidas sigam adiante e tragédias não se repitam. As imagens captadas possuem simplicidade técnica, mas isso não incomoda, já que o conteúdo, em especial as falas do protagonista, sempre dotadas de motivação, apesar do embargo da voz em determinados momentos, cumpre a tarefa de apresentar seu objetivo primeiro, que é a valorização dignidade das mulheres congolesas. Ninguém é de ferro, não seria o Dr. Mukwege a derrubar essa regra.

Tratado como celebridade pelas moradoras de Bukavu e arredores, ele precisa equilibrar sua dedicação às pacientes e uma árdua jornada para chamar a atenção das autoridades mundiais aos crimes sexuais ocorridos no seu país, e isso fica claro quando o documentário intercala suas idas ao hospital e comunidades com viagens e discursos em locais importantes. Que o estupro é utilizado como estratégia de guerra e também de destruição em massa não é novidade, basta uma breve pesquisa nos livros de História que não escondem o lado obscuro dos combates. A questão do corpo feminino como fonte de alívio para os soldados é discutida dentro da teoria feminista desde os tempos do sufrágio e faz parte dos argumentos do médico militante. Mesmo munido de dados precisos sobre a situação da mulher no Congo, Mukwege parece falar para uma plateia surda na sede das Nações Unidas, onde o próprio representante de sua terra natal não lhe fornece apoio. A trilha sonora sombria que ambienta a cena não é à toa. Há algo de podre na República do Congo.

 

Dr. Mukwege: O Homem que Conserta Mulheres dá voz também às vítimas, cada uma com tempo próprio para assimilar e, infelizmente em apenas alguns casos, superar o trauma. Os tecidos coloridos que adornam seus corpos contrastam com relatos de impacto dito por vozes suaves e entre lágrimas. Num grupo de apoio, adolescentes choram ao lembrar que foram expulsas de casa após terem sido estupradas. Sentem-se culpadas pelo que aconteceu. Uma culpa reforçada por homens de uniforme que ouvem os depoimentos das vítimas com cara de deboche num tribunal improvisado para julgar os acusados dos crimes sexuais. O espectador experimenta a mesma raiva de Mukwege diante dessas situações, assim como sua consternação ao se deparar com pacientes vítimas de práticas que ele classifica como insanas. Mukwege sabe que, por mais carinho e dedicação, seu “conserto” nunca será completo e ainda não inventaram remédio para almas machucadas. Mas nem por isso não vale a pena continuar tentando.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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