Crítica
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Sinopse
Diogo e Emilia vivem um relacionamento estável de 16 anos. Eles são felizes, porém entediados. Ao descobrir que o casal que seus melhores amigos, Ricardo e Bettina, têm um relacionamento aberto, decidem experimentar o swing.
Crítica
Há um discurso muito fácil que coloca os críticos no polo oposto ao do gosto popular. E nem sempre o que cai nas graças do grande público é prontamente rechaçado por especialistas. No entanto, vários realizadores da atualidade têm tentado reforçar previamente esse pretenso espaço de incompatibilidade ao prever o que será dito/escrito sobre seus filmes. No cinema estrangeiro, virou uma constância os personagens experts que utilizam uma suposta autoridade de forma perniciosa. São frustrados incapazes de fazer arte e que, por isso mesmo, descontam em filmes "inocentes" todo o seu desencanto. No cinema brasileiro dos últimos anos o procedimento adquiriu contornos distintos, como quando Leandro Hassum reitera diegeticamente a piada (desgastada de tanto uso) de que era mais engraçado quando gordo. Ele faz chacota com um comentário recorrente, tirando legitimamente sarro disso, mas também tenta antever como forma de acusar subliminarmente críticos de repetitivos e banais. Dois + Dois lança mão de um subterfúgio parecido, que igualmente está se transformando num chavão: coloca uma personagem para tripudiar sobre as comédias brasileiras, aparentemente precipitando o que será dito/escrito. Ao mesmo tempo, tenta criar em volta de si um escudo protetor pela consciência de não ter "uma mensagem importante". É um acúmulo de clichês.
Dois + Dois fala de um casal em crise. Emilia (Carol Castro) e Diogo (Marcelo Serrado) estão juntos há mais de 15 anos e o casamento chegou naquele mormaço de estagnação. No meio termo incômodo, não há passionalidade – sem brigas, mas igualmente sem tesão. Ambos ficam surpresos ao descobrir que seus melhores amigos, Ricardo (Marcelo Laham) e Bettina (Roberta Rodrigues), têm um relacionamento bem mais apimentado. No mundo desenhado pelo cineasta Marcelo Saback, há os puritanos escandalizados pela libertinagem alheia – que são reprimidos – e os descolados vivendo experiências intensamente – os que se arriscam. O que primeiro sobressai na condução do filme é a artificialidade de certas passagens, como quando a personagem de Carol Castro borra a cara ao passar batom. A ideia é mostrar que, de tão absorta no choque pela revelação da amiga, ela perde momentaneamente coordenação motora. Porém, a cena é filmada (e interpretada) de forma artificial, sem que os movimentos pareçam genuínos, tampouco exagerados ao ponto de configurar a caricatura do gesto. Marcelo Serrado também pesa a mão na composição do homem endinheirado que vê o castelo de sua vida "perfeita" desmoronar por conta do desejo repentino da sua esposa de experimentar algo capaz de incrementar o que parece morto há tempos. E a direção tem culpa no cartório.
Se há um elemento importante na comédia é o chamado timing, o tempo da cena. E Marcelo Saback se perde frequentemente ao construir a dinâmica das interações, justamente em virtude da forma como manipula o tempo para obter efeitos cômicos. Por exemplo, em determinado trecho o tenso doutor Diogo, prestes a chegar em sua primeira festa de swing, diz: “espero que ninguém reconheça que você é a garota do tempo casada como um cirurgião cardiovascular”. Imediatamente depois, surge um porteiro perguntando: “você é aquela garota do tempo casada com um cirurgião cardiovascular?”. Não há respiro no meio. Tudo bem, esse tipo de réplica é legítima no gênero e às vezes funciona por conta do improvável acontecendo. Mas, na cena subsequente há um reforço disso quando Diogo fala: “me disseram que nessa festa só tem gente discreta”. Quem abre a porta? Um homem de trejeitos e roupas espalhafatosas. Além do resultado ser o mesmo – a quebra da probabilidade – é desajeitada a forma como as duas passagens são encenadas sem que ao menos se respeite um intervalo capaz de potencializar o objetivo. Nessa toada dos problemas fundamentais, o texto também se impõe como uma fragilidade frequentemente visível. Ao que parece, o roteirista prefere apostar praticamente todas suas fichas em diálogos de duplo sentido que tornam os personagens meio apalermados.
Dois + Dois usa e abusa de proximidades fonéticas entre cool e cu; faz de convites a sentadas um motivo de ligar o alerta do conservador Diogo; torce o sentido de compressa (durante uma cirurgia), pois, com a cabeça “naquilo”, o personagem de Marcelo Serrado entende “com pressa”; sem contar as analogias repetidas à exaustão com verbos dúbios. Em dado instante, um personagem anuncia que conheceu uma mulher transexual (aqui encarada como alguém exótica) de Pau Grande, distrito da cidade fluminense de Magé, célebre por ser o berço do futebolista Garrincha. Dali para adiante, são vários os instantes em que alguém se refere a ela como “a trans de pau grande”. Se nem na primeira vez a piada tem graça, imagine na terceira. Além dessa dificuldade de ser engraçado – problemático, pois estamos falando de uma comédia – o filme reafirma clichês inadvertidamente. A noite posterior à consumação do sexo entre os amigos parece um comercial de margarina de tão romantizado. A luz dourada que invade o cômodo da casa nababesca de Diogo reforça visualmente a alegria que esse homem sente por (talvez) finalmente ter se libertado de uma trava íntima que vinha lhe dificultando a vida. Claro que há uma ponderação de que a sensação de êxtase é efêmera, mas mesmo isso é feito com base em convenções desgastadas, tanto as emocionais quanto as cinematográficas. Satisfações e insatisfações flutuam como se fossem resultados de questões resolvidas e encerradas num piscar de olhos.
Para um filme que fala sobre sexualidade, desejo e tesão, Dois + Dois foge como o diabo da cruz de qualquer imagem carregada de voltagem erótica. A única festa de swing frequentada pelos personagens é uma ocasião quase asséptica. Nela, o cúmulo da nudez é a garçonete servindo bebidas com fitas isolantes cobrindo seus mamilos. Além disso, quando muito a câmera pega alguém (de lingerie, semivestido) sentado no colo de outra pessoa num evidente faz-de-conta que reforça a sensação de artificialidade predominante. Não se trata de cobrar que a produção mergulhe nos meandros humanos/psicológicos/emocionais, mas que ao menos obedeça a constituição dos personagens, não oferecendo a eles curvas dramáticas postiças. Por mais que haja um ensaio de que Diogo precisa relaxar e que Ricardo na verdade gostaria de ter uma vida comum, a “troca” não gera resultados. Até porque o personagem de Marcelo Laham oscila entre a felicidade do relacionamento aberto e o desejo por uma família tradicional numa velocidade que interdita ambos os espectros. Nem ao instaurar a crise que antecede o “felizes para sempre” Marcelo Saback foge dos chavões. Em vez de investir numa lógica de roleta russa (afinal de contas, quem está isento de se apaixonar mesmo que inicialmente deseje apenas sexo casual?), ele acaba praticamente reforçando a ideia de que Diogo estava certo desde o início. E não é suficiente o encerramento conciliatório que vem quando todo mundo se encontra no cinema.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Francisco Carbone | 8 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 4.3 |
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