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Sinopse

Beatriz é uma psicanalista em crise. Não está satisfeita com o trabalho, tem problemas com a filha adolescente, a mãe é um tanto doida, a irmã é ausente e o marido não a faz feliz. Decidida a mudar sua vida, Beatriz pede o divórcio e começa a mudar suas atitudes com a ajuda da amiga Valéria. É hora de recomeçar e, para isso, ela tem que estar preparada para tudo.

Crítica

Baseado no best-seller homônimo da escritora gaúcha Martha Medeiros, Doidas e Santas é centrado numa personagem feminina, aliás, como parte significativa dos filmes brasileiros recentes. Beatriz (Maria Paula) é uma psicanalista requisitada e escritora famosa. Ela atente especialmente casais em crise e escreve exatamente acerca de como manter a saúde dos relacionamentos amorosos. Na seara das aparências, portanto, é extremamente feliz. Mas, como diz o velho ditado, “casa de ferreiro, espeto de pau”. Num programa de televisão, ao ser indagada sobre aspectos de sua vida pessoal, a protagonista congela, simplesmente por ficar sem resposta, já que no foro íntimo as coisas não vão muito bem. O veterano diretor Paulo Thiago constrói esse momento capital, pois nos permite acessar o íntimo da mulher exteriormente segura e bem-sucedida, mas interiormente devastada pelas demandas e frustrações do cotidiano, com um desleixo impressionante, sintoma do tom predominante.

A apresentação dos coadjuvantes confirma o que a sequência mencionada antevê, pois nela há um traçado bem determinado, que dá conta somente da camada mais superficial de cada um. A elaboração cinematográfica dos contatos iniciais com as pessoas que gravitam em torno da personagem de Maria Paula possui uma flagrante debilidade. Isso ocorre, por exemplo, quando a câmera se detém na primeira aparição da filha adolescente de Beatriz, interpretada por Luana Maia. O realizador condensa em míseros segundos todos os estereótipos associados à faixa etária da menina. Mecanicamente, ela fala ao celular, troca mensagens de texto com os namorados, prende mechas coloridas no cabelo, faz uma selfie, ou seja, se mostra ao público como fruto de um molde estanque, num procedimento desnecessário, isso sem mencionar o subsequente plano descritivo. Doidas e Santas padece pela inábil utilização de arquétipos. O marido “insensível” (vivido por Marcelo Faria) é outro indício dessa frivolidade narrativa.

O grande problema de Doidas e Santas é diretivo. Fica claro, no decorrer da trama, que não apenas o fraco desempenho do elenco, como também as frequentes derrapadas da encenação, várias delas feias, podem ser imputadas ao trabalho burocrático de Paulo Thiago. São inúmeras as cenas desprovidas de vigor, orquestradas de maneira esquemática, o que vai inviabilizando a nossa adesão, mesmo diante das dificuldades universais de Beatriz. São elas, a discussão com o marido na garagem, temperada pela aparição do casal igualmente em crise que dá os seus pitacos; a inverossimilhança de certas circunstâncias passadas em Buenos Aires, como a distribuição das cinzas pelos cômodos da casa de um estranho; e o diálogo no Morro da Mangueira, no qual, verdade seja dita, Samantha Schmutz dilui ligeiramente a artificialidade vigente com seu talento. Mas, nenhuma outra passagem do longa-metragem é mal delineada como a morte do familiar querido. Se bem que há o “acidente” com o vinho. O páreo é duro.

Vivendo sua primeira protagonista nas telonas, Maria Paula bem que tenta desvincular-se da persona edificada ao longo dos anos na televisão. Aqui, ela precisa encarnar alguém que não sorri frequentemente, mantendo-se sisuda em boa fatia do tempo, pois cheia de preocupações. Apesar do esforço, seu trabalho é demasiadamente engessado. Ao contracenar com atrizes mais tarimbadas, vide Nicette Bruno – ótima como a mãe porra-louca –, Georgiana Góes e Flávia Alessandra, ambas competentes dentro do que seus respectivos papéis propõem, ela deixa exposta a sua pouca experiência, inclusive para transmitir a gradação emocional do percurso de Beatriz. Em meio a tantos equívocos e vulnerabilidades, salvam-se situações ocasionais, em que a reflexão acerca das demandas femininas atinge patamares distintos. Todavia, difícil acreditar nas mudanças bruscas, nas decisões intempestivas que visam reforçar a mensagem “é preciso chacoalhar a vida”. Em suma, falta espessura e estofo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Marcelo Müller
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Robledo Milani
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MÉDIA
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