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Sinopse

Noeli e Júlio estão juntos há anos. O casal leva uma vida humilde, mas enriquece quando o molho de tomate Juno, criado por eles, torna-se um sucesso. Com o passar dos anos, os dois abrem uma grande empresa, mas o dinheiro e a rotina os distancia. E um mal entendido é a gota d’água para a separação. Para defender o patrimônio, cada um tenta achar o melhor advogado para si, o que gera um processo cheio de confusões e cenas hilárias.

Crítica

Um carro serpenteia veloz pelos corredores das plantações de Ribeirão Preto. A música agitada entra em consonância com a montagem para conferir agilidade à sequência, que ainda apresenta Júlio (Murilo Benício) dirigindo e se desvencilhando como pode das cordas que o prendem. Em paralelo, uma cerimônia de casamento em andamento, com a noiva, Noeli (Camila Morgado), demonstrando flagrante inquietude. Esse é o começo de Divórcio, comédia que, então, desde o seu prólogo muito bem filmado, demonstra uma qualidade patente, por utilizar as ferramentas do cinema para tornar seu transcorrer dinâmico e expressivo. A subsequente retirada da noiva do altar é um dos vários clichês com os quais o diretor Pedro Amorim brinca inteligentemente no filme. Ao som da canção Evidências ­– tornada sucesso na voz da dupla Chitãozinho e Xororó, mas que aqui ganha roupagem roqueira e interpretação de Paula Fernandes – temos sintetizado o percurso longo do casal à considerável fortuna.

20170913 divorcio papo de cinema

Por se passar no interior do estado de São Paulo, Divórcio tem acentos característicos da região, não apenas no que tange aos sotaques, mas também à ambiência, especificamente, de uma cena sertaneja feita de pessoas endinheiradas e inclinação ao kitsch. Todavia, o realizador passa ao largo de ridicularizar o meio que lhe serve de inspiração, tratando com habilidade seus códigos particulares, tais como o comportamento de homens e mulheres em festejos sintomáticos. Murilo Benício e Camila Morgado demonstram uma sintonia fina, tanto ao deflagrar o amor de seus personagens quanto, mais tarde, ao construir o clima bélico, a tensão que predomina por conta da separação em curso. Noeli e Júlio possuem risadas histriônicas, são suscetíveis às inúmeras possibilidades da riqueza, e, em medidas semelhantes, acabam sucumbindo aos encantos da futilidade. Fazer graça, dentro do itinerário desse longa-metragem, felizmente, passa pela criação prévia de vínculos e demais bases sólidas.

O aspecto puramente cômico é fértil em Divórcio. Boa parte das piadas surge justamente das brincadeiras com os estereótipos e as convenções, inclusive as do gênero. Ao invés de apostar em caras e bocas, de operar numa frequência superficial, como muitos artistas em obras congêneres fazem, Murilo e Camila utilizam seus talentos em função da instituição de situações verdadeiramente engraçadas. Pedro Amorim aproveita os traços do cotidiano pré-divórcio para construir uma atmosfera disposta a criticar o comportamento dos chamados “novos ricos”, o que, ao longo da trama, serve organicamente à mensagem subjacente, fundamentada na necessidade de valorizar o que é refratário aos ditames do dinheiro. Outra observação servidora dos anseios jocosos da produção diz respeito ao comportamento predatório dos advogados contratados. A briga judicial pela divisão dos bens e a guarda das filhas consegue ampliar essa sensação de corrupção derivada do acúmulo de bens materiais.

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Valendo-se de personagens carismáticos e de uma preocupação evidente em transcender as esferas mais epidérmicas da comédia, Pedro Amorim cria um filme com os dois pés da realidade, embora a manipule exatamente com fins pitorescos. Luciana Paes vive a melhor amiga de Noeli com naturalidade e timing impressionantes. Outro destaque entre os coadjuvantes é Gustavo Vaz, que encarna um famoso cantor sertanejo com trejeitos e palavreado típicos, posto entre Júlio e sua amada, pois apaixonado por ela desde os tempos da escola. No centro de uma trama marcada por afetos e conflitos está o amor, celebrado no início com um ato de coragem e rebeldia, em estado letárgico logo depois, em decorrência da passagem dos anos e da acomodação à vida nababesca, e reconduzido ao patamar de força motriz e imprescindível quando as atitudes passam novamente a valer mais que as posses. Sem pieguice (a não ser a contestada), o filme nos cativa por suas virtudes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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