Crítica
Leitores
Sinopse
A rotina das pessoas que vivem com autismo. Questões sensoriais e sociais são observadas a partir de prismas muito distintos, o que acaba gerando uma interlocução necessária.
Crítica
Do ponto de vista informativo, Delicadeza é Azul possui méritos, pois ajuda a reduzir a ignorância generalizada sobre o autismo. Os cineastas Yasmin Garcez e Sandro Arieta evidentemente se esforçam para combater preconcepções e demais entraves ao entendimento menos superficial dessa condição repleta de singularidades. Para isso, somam casos com leves diferenças de perfil para, pretensamente, criar um painel representativo amplo o suficiente. Quanto à gramática empregada, o problema está na contradição formal/estilística desse desejo de ser plural. No mais das vezes, os testemunhos são valorizados prioritariamente a partir das interseções, com semelhanças ditando o tom da operação de atração, mais do que justamente as disparidades que poderiam estabelecer uma ideia de variedade. São comuns os raciocínios de uns sendo completados por falas subsequentes/parecidas, numa lógica que, se por um lado, gera um senso de comunidade, por outro, enfraquece a intenção de tirar o transtorno do espectro dos lugares estigmatizados.
Essa organização proposta pelo roteiro gera um esgotamento rápido. Com cerca de meia hora, Delicadeza é Azul parece ter dito tudo a que veio, a partir disso basicamente reiterando observações consolidadas anteriormente. Yasmin Garcez e Sandro Arieta pulam entre histórias distintas, delineiam um discurso quase unificado, ainda que não vedem espaço às peculiaridades. Vários vieses são colocados em pauta, alguns privilegiados com tempo considerável à apresentação e posterior reflexão, outros inseridos como que atendendo a um protocolo, dada a sua óbvia importância. A angústia dos pais diante do diagnóstico e os contratempos diários são reforçados. O desamparo de quem precisa recorrer ao sistema público de saúde para conseguir medicamentos e terapias necessárias vira uma nota de rodapé. Falta ao documentário um recorte consistente, já que o autismo, bem como tudo, não é passível de uma contemplação integral e irrestrita. Ao tentar herculeamente abraçar tantos temas caros à condição, os realizadores diluem suas potencialidades.
Há outro ruído considerável em Delicadeza Azul e ele diz respeito à linguagem visual. Em várias passagens, a troca de aspecto da imagem – e, sem semelhante medida/frequência, das lentes empregadas aos registros – soam como meras contingências de produção. As grandes angulares características de dispositivos portáteis (operadas pelos próprios personagens diagnosticados com autismo) geralmente rompem de modo contraproducente com o itinerário figurativo predominante, tampouco tendo essa natureza disruptiva inserida como valor expressivo. Yasmin Garcez e Sandro Arieta tentam criar um contorno lúdico elevando ao protagonismo a cor azul, consagrada como representante simbólica do autismo. Mas, a opção por ressaltar esse tom, ao tornar cinzentos os flagrantes de gestos cotidianos dos autistas escolhidos como personagens, também é um recurso rapidamente esgotado, principalmente por conta da colocação frouxa dentro da proposta estético-narrativa do filme, vide as incursões esporádicas que servem como meras pontuações.
Portanto, sob o ângulo de minimizar a desinformação, Delicadeza é Azul é, antes de tudo, obviamente bem intencionado, pois acalenta com carinho e respeito o desejo de compreensão. Porém, Yasmin Garcez e Sandro Arieta não constroem uma estrutura capaz de potencializar as manifestações e os questionamentos, de provocar uma adesão densa aos dramas observados e às dificuldades impostas por algo que muitos teimam em tipificar pura e simplesmente como anormal. Os depoimentos de especialistas nos cinco sentidos, entre eles o cantor Ney Matogrosso, que fala a respeito da importância dos sons à apreensão da "realidade", pressupõem uma guinada do filme rumo ao mergulho intenso quanto à percepção. Mas, acaba sendo apenas uma rubrica (com distinto aspecto de imagem) configurada como área de escape. Tais dizeres se comunicam prioritariamente entre si, enquanto constatações da complexidade sensorial, pouco acrescentando ao debate central. Assim, essa pobreza formal dita a morosidade inesperada de um filme com cerca de 70 minutos.
Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)
- O Auto da Compadecida 2 - 12 de dezembro de 2024
- British Independent Film Awards 2024 :: Kneecap: Música e Liberdade é o grande vencedor. Veja a lista completa - 12 de dezembro de 2024
- Cine Kurumin 2024 :: Extensão da 9ª edição leva cinema a comunidades indígenas na Bahia - 12 de dezembro de 2024
Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 5 |
Deixe um comentário