Crítica


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Sinopse

Em Chicago, no ano de 1925, vigora a lei seca. O mafioso Mick Nitsch trai sua “família” e entrega à polícia um carregamento de álcool. Em seguida, foge para a Rússia, terra de seus ancestrais. A máfia envia atrás dele John Pollack, assassino profissional de origem polonesa, com a missão de eliminar o traidor. Odessa, 1925: aporta um navio de Nova Iorque, entre os passageiros está John Pollack. Recebe-lhe muitíssimo cordialmente uma equipe soviética de boas-vindas, Pollack sofre uma concussão e perde a memória.

Crítica

O diretor polonês Juliusz Machulski é praticamente um desconhecido das telas brasileiras. Seus trabalhos só chegaram aos cinéfilos do país por meio de mostras e nenhum deles estreou no circuito comercial, nem mesmo os mais recentes, como Embaixada (2013) e Volta (2017). Então pouco divulgado e comentado por estes pagos, Machulski realiza uma mistura de humor e política que combina muito com o atual panorama social do Brasil. Um de seus trabalhos mais divertidos une Rússia e Estados Unidos de um jeito único. Dèjá Vu, apesar do título, tem estilo próprio e organiza suas muitas referências de forma bastante criativa. A começar pela cena de abertura, ambientada em uma Chicago de 1925, no auge da Lei Seca.

A reprodução da cidade norte-americana em estúdio segue os mandamentos dos clássicos do cinema noir, com direito a gângsteres em becos escuros e úmidos. A sequência que faz pano de fundo para os créditos iniciais tem jazz na trilha sonora e uma fotografia fiel aos filmes de máfia de Hollywood. Mas basta o primeiro diálogo surgir para o público descobrir que Machulski, antes de qualquer homenagem, quer mesmo é brincar com o gênero que ajudou a criar a imagem da América no imaginário coletivo. A diversão segue com uma clara releitura sarcástica de O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, com direito ao clássico beijo na mão do padrinho. Coppola, que integrou a turma da geração conhecida por dar novos ares ao cinema hollywoodiano, não ganha o carinho sozinho. Os mafiosos têm sobrenomes sugestivos como Cimino e Scorsese, e o protagonista, que entra em cena tarde, é um matador de aluguel chamado John Pollack (Jerzy Stuhr), que tem como trabalho ir até a cidade de Odessa e acabar com a raça de Mick Nich (Vladimir Golovin), responsável por enviar vodka dentro de pães para os bares e cassinos de Chicago, prejudicando a venda ilegal de álcool comandada pela bandidagem local.

Déjà Vu é, antes de qualquer referencial, um filme de Machulski, fiel ao molde que data do final da década de 70, quando ele estreou na direção. Isso significa um forte humor visual, com tombos e caretas à la Jerry Lewis (olha a Nova Hollywood outra vez!) e toques de realismo fantástico, representado por uma União Soviética que quer, a todo custo, receber bem o professor estadunidense com o qual Pollack é confundido ao desembarcar do navio.

O ponto de partida é inteligente. Sua pegada é mantida até mais ou menos a metade da trama, quando surgem pequenos esquetes que beiram o pastelão entre uma cena realmente importante e outra. O que parece uma estratégia para agregar minutos ao filme, que poderia ser menor e funcionar melhor. Se o meio é confuso, o ato final consegue reerguer o andamento e implantar novamente o ritmo dos primeiros minutos. Coincidência ou não, também é a parte em que voltam as referências, dessa vez do lado soviético, com Pollack invadindo sem querer as filmagens de O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein, durante a realização da famosa cena da escadaria de Odessa. Machulski mais uma vez brinca com os erros do cotidiano ao apresentar que o momento mais lembrado do longa, o do carrinho de bebê, foi criado por acaso.

Dèjá Vu é entretenimento acima de qualquer outra proposta. Óbvio que os mais atentos irão perceber algumas ressalvas ao regime comunista e também à sociedade norte-americana. O sotaque carregado da dublagem dos atores é uma prova disso. Os ianques de Machulski falam como os astros do cinema, mesmo que não possuam o mesmo charme dos originais. Mais que fazer crítica política e social, o filme quer fazer o público rir e esquecer as agruras da vida real por pouco mais de uma hora e meia. Por essa sinceridade e boa ação em tempos nefastos como os nossos, já merece atenção.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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