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Sinopse

Um agente novaiorquino precisa encontrar e prender assassinos de policiais. Quando mais adentra nos meandros dessa trama complexa, mais descobre coisas que não deveria sobre seus colegas e um esquema ilícito que une bandidos e alguns membros da corporação.

Crítica

A julgar pela sequência inicial de Crime Sem Saída, um prólogo clássico, Andre (Chadwick Boseman) tende a ser um protagonista ambíguo. Órfão após a morte do pai policial que cumpria seu trabalho cotidiano, ele segue os passos do genitor abatido, apresentando-se na fase adulta como homem da lei questionado por se valer de métodos violentos. A frieza dos números aponta à predileção supostamente incomum pela morte de suspeitos. Ele, por sua vez, se defende, dizendo nunca ter atirado primeiro. Nova Iorque é uma cidade violenta e esse comportamento reativo seria, por tal prisma, moralmente sustentado pelo longa-metragem como mera consequência a quem se vê diariamente no limiar entre matar ou padecer. Todavia, essa dubiedade arrefece sobremaneira tão logo a produção se assuma como exemplar de ação, calcado basicamente em viradas relativamente manjadas e no encalço nervoso da dupla de bandidos envolvida no imbróglio bem intrincado.

A apresentação das circunstâncias do roubo fornece o contexto de uma força policial corrupta. Portanto, em cada passo dado na perseguição a Michael (Stephan James) e Ray (Taylor Kitsch) o espectador, munido de mais informações que Andre, é levado a aguardar reviravoltas, pois ciente de que o agente praticamente está, parafraseando o dito popular, entregando as galinhas às raposas cuidarem. Mas, infelizmente, o cineasta Brian Kirk telegrafa demasiadamente certos movimentos, tornando o conjunto previsível e gradativamente bastante genérico. Nesse itinerário, é preterida a complexidade do policial esquadrinhado como uma espécie de ilha ética rodeada de colegas corruptos por todos os lados. Abruptamente, ele passa de investigado instável a única solução viável a fim de que a justiça seja feita, doa a quem doer. Nem são tão incômodas as conveniências de planos absurdos do ponto de vista logístico, como o fechamento de Manhattan num par de minutos.

Inconveniente em Crime Sem Saída é a aparagem das arestas do protagonista, o desperdício de uma personalidade que poderia deflagrar conflitos matizados, tudo isso em função da construção praticamente inequívoca do heroísmo. Brian Kirk não consegue trabalhar a contento as modulações emocionais e psicológicas, demonstrando semelhante desajeito ao articular obscuridades, vide a óbvia implicação do "diligente" chefe vivido por J. K. Simmons, a típica figura de duas caras. Nesse sentido, Frankie (Sienna Miller) igualmente sustenta por pouco tempo a pose de mantenedora da moral e dos bons costumes. O filme permanece num meio termo incômodo entre fazer de Andre o único ignorante quanto a uma suja conjuntura novaiorquina e enredar o espectador nesse jogo mal conduzido de sombras eclipsando as áreas luminosas. Apesar das fragilidades, se trata de uma produção competente em perseguições e afins, aí não fazendo feio.

Outro ponto positivo de Crime Sem Saída é a evidente preocupação com os efeitos dos tiroteios, por exemplo. Existe uma minúcia incomum nesse tipo de produção, especialmente quanto aos rastros de balas nos cenários e até mesmo à maquiagem de cadáveres e feridos. Afora esse cuidado, há algo de essencialmente banal na forma como os interesses pessoais são articulados dentro de demandas públicas. Andre perde a profundidade que aparentemente lhe caracteriza, virando um bom e velho paladino que, ao contrário das aparências, na direção oposta a de colegas afamados no cinema,  tais como Harry Callaham, da saga Dirty Harry, pondera bastante antes de apertar o gatilho. Há muletas demais no decurso da trama, como a testemunha que entrega simplesmente, de mão beijada, sem mais aquela, as identidades desconhecidas. O acúmulo desses expedientes acaba minando a potencialidade do desenvolvimento e, a reboque, a do desenlace sem muita personalidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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