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Sinopse

Lucca é um cantor sertanejo conhecido por músicas "chicletes" compostas a partir das demandas de sua empresária, e não por sentimentos e gostos musicais. Depois de um desentendimento na gravação do novo disco, ele decide regressar ao interior, onde procura inspirações para voltar a compor canções mais autênticas e, assim, se reconectar com o pai. Nesse movimento, também encontra uma antiga parceira de composições e amor de infância com quem vai reatar laços.

Crítica

Ao longo dos anos, de títulos como a primeira versão de O Menino da Porteira (1976), estrelada pelo cantor Sérgio Reis, até o fenômeno de público 2 Filhos de Francisco (2005), que narra a trajetória da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, o apelo popular do universo musical sertanejo vem sendo explorado pontualmente, e muitas vezes com sucesso, pelo cinema nacional. Em Coração de Cowboy, o cineasta estreante em longas Gui Pereira se aventura por esse filão, lançando um olhar sobre a vertente mais atual do estilo, conhecida como sertanejo universitário, marcada por sua adesão comercial ao pop e a outros ritmos como o forró e o funk. É nesse cenário de canções que falam sobre baladas, bebida e romances fugazes que se encontra o jovem cantor Lucca (Gabriel Sater), um dos nomes mais badalados das paradas graças a hits grudentos como “Curtição no Guarujá”.

Apesar da fama e do status financeiro, porém, Lucca se mostra cada vez mais frustrado com os rumos de sua carreira, especialmente com as imposições artísticas feitas pela gravadora, através da figura de sua empresária, Iolanda (Françoise Forton). Contrariado e buscando inspiração para novas composições que se aproximem do que considera ser o autêntico sertanejo, o jovem astro abandona as gravações do novo CD e regressa para sua cidade natal, no interior paulista. Além do reencontro com as raízes musicais, essa fuga também propicia a Lucca a oportunidade de se reconciliar com o pai (Jackson Antunes), de quem se distanciou após a tragédia que resultou na morte do irmão, e com a amiga Marcelle (Thaís Pacholek), com quem, ao lado do falecido irmão, formara um trio musical na infância. É na pequena cidade também que ele conhece Paula (Thaila Ayala), a impetuosa dona do bar Cowboy e interesse amoroso da trama.

Desde o princípio, o diretor Gui Pereira recorre a todas as convenções possíveis desse tipo de jornada de redenção – seja nos conflitos entre pai e filho, no romance entre opostos que eventualmente se atraem, ou na luta do artista contra o mercado à procura da pureza de sua arte. Assim, a narrativa segue dentro da total previsibilidade, com situações e reviravoltas que sempre podem ser antevistas facilmente, sem qualquer surpresa ou característica que as tornem particulares. Presos a estereótipos e a diálogos meramente funcionais e expositivos, que quando almejam alguma reflexão não fogem aos lugares-comuns, os atores pouco podem fazer – mesmo que Ayala tente compor um sotaque caipira convincente ou Gabriel Sater, cantor e filho de Almir Sater, passe credibilidade nas passagens musicais. Os raros lampejos de intensidade dramática ficam por conta de Jackson Antunes, como na sequência em que entrega uma interpretação emotiva de “Fogão de Lenha”.

Esses momentos, porém, se apequenam frente à artificialidade que domina a dramaturgia do longa já no flashback inicial, envolvendo um triângulo amoroso composto por Marcelle, Lucca e o irmão, e um acidente automobilístico – situações que soam completamente inapropriadas dada a pouca idade dos personagens. A composição extremamente caricatural das figuras secundárias – particularmente no primeiro ato, como na sequência da apresentação no programa de TV ou da gravação com o MC – resvala numa comicidade involuntária que destoa da gravidade pretendida e delineada pela intrusiva trilha instrumental composta por Lucas Lima. A estética videoclíptica genérica imposta por Pereira, repleta de contraluzes solenes, também nada contribui para a narrativa arrastada, que ainda se estica para incluir conflitos paralelos sem peso – como o de Marcelle com o marido ausente – e participações especiais de diversas duplas e cantores sertanejos.


No aspecto musical, Corações de Cowboy se mostra igualmente falho, já que suas canções originais nunca chegam a ser realmente marcantes, e a tentativa de crítica à pasteurização artística inicial jamais ultrapassa a superficialidade. Talvez a ideia de resgate das raízes culturais seja sincera, e até bem intencionada, pois, independentemente de gostos particulares, a vertente sertaneja possui grande importância na construção da identidade musical nacional. No entanto, ainda que o longa cite referências como Tonico & Tinoco e As Irmãs Galvão, e que, em seu desfecho, traga a dupla Chitãozinho & Xororó como uma espécie de guardiões da tradição sertaneja, passando seus ensinamentos nesse processo de transição geracional – numa cena bastante forçada – essas boas intenções esbarram na fragilidade cinematográfica do produto. Algo que nem mesmo “Evidências”, hit máximo dos karaokês que embala os créditos finais, alçado pelas redes sociais ao patamar de “hino não oficial do Brasil”, por seu poder de unir todas as tribos, é capaz de amenizar.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Grade crítica

CríticoNota
Leonardo Ribeiro
2
Edu Fernandes
5
MÉDIA
3.5

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