Crítica


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Sinopse

É verão e há uma verdadeira febre de casamentos. Dois amigos de longa data resolvem forjar um par a fim de comparecer a todas as cerimônias, isso enquanto aproveitam suas férias.

Crítica

Em uma de suas primeiras produções originais, a TNT aposta em configurações seguras dentro de um gênero consagrado, no caso, a comédia romântica. É interessante a maneira como as plataformas de streaming e os canais de televisão se ampararam de um gênero tão popular que praticamente desapareceu das salas de cinema. Convidado Vitalício (2019) aposta não apenas na comédia romântica, mas naquela entre dois amigos tão próximos que correm o risco de se apaixonar a cada instante, vivendo trapalhadas no cenário mais propício aos romances – uma sucessão de festas de casamento -, com o acréscimo da construção de personalidades opostas. Enquanto Ben (Jack Quaid) é um rapaz relativamente introvertido, a melhor amiga Alice (Maya Erskine) revela-se uma metralhadora de frases irônicas associadas a uma personalidade desbocada, inconveniente e divertidamente grosseira. A ideia do filme consiste em equilibrar os tons exagerados para finalidades cômicas, confrontando-os a belos garotos e garotas durante os casamentos de seus amigos.

O questionamento por trás desta estrutura revela-se menos contemporâneo do que aparenta: o filme busca questionar a “guerra dos sexos”, ou ainda a possibilidade de amizade desinteressada e assexuada entre um homem e uma mulher heterossexuais. Por mais que este conflito soe ultrapassado, o roteiro trata de atualizá-lo a fazer da garota a figura mais sexualmente explícita dos dois, enquanto eles frequentam casamentos gays, falam abertamente sobre suas genitálias e permitem o retrato de casais diferentes da ideia do amor eterno e monogâmico. Esta produção reflete uma idealização da classe média-alta norte-americana contemporânea – os personagens nunca são vistos trabalhando, embora tenham dinheiro de sobra para custear dezenas de viagens e estadias em hotéis -, do tipo que ainda persegue o grande amor, mas se permite viver aventuras pelo caminho. O roteiro escrito pelos diretores Jeff Chan e Andrew Rhymer procura uma via intermediária entre as transas de uma noite só e a descoberta do “par perfeito”. De acordo com este ponto de vista, somos todos românticos em nossa promiscuidade, algo interpretado como forma de liberdade e autonomia.

Convidado Vitalício permite descobrir dois bons atores de comédias românticas, ao invés de apostar em nomes mais seguros de Hollywood. Jack Quaid demonstra desenvoltura ao interpretar o sujeito relativamente amável, porém um tanto atrapalhado e inseguro – na esteira de Hugh Grant e outros antes dele – enquanto Maya Erskine representa a nova geração de meninas que dizem o que querem, sem se importarem com a imagem de boa moça, algo que subverte o romantismo das heroínas tradicionais de comédias românticas (Sandra Bullock e Meg Ryan, por exemplo). Erskine alinha-se a Awkwafina, Olivia Cooke, Rebel Wilson, Alia Shawkat, Lena Dunham e Ilana Glazer, que buscam desconstruir as pressões sobre o corpo feminino e a suposta necessidade de estar sempre bela, bem vestida e atraente para os homens. Erskine corre o risco de sobrepor ao colega de elenco por ir muito mais longe na agressividade dos diálogos e no despojamento corporal, porém aos poucos a narrativa fornece oportunidades à atriz de demonstrar um lado comedido. De qualquer modo, a destreza da atriz com os diálogos ágeis, de aparência improvisada – algo típico de humoristas de stand-up ou de programas de comédia ao vivo – traz um ritmo interessante ao projeto.

Em paralelo, os cineastas tomam certas liberdades, ainda que discretas esteticamente. Algumas cenas de casamento apresentam planos realmente longos, com a câmera girando em torno de personagens numa coreografia atípica para a média do gênero. Para cada plano-sequência, no entanto, há uma dezena de conversas convencionais em plano e contraplano entre Ben e Alice. A dependência dos diálogos para ditar ritmo e humor é tão forte que a direção de fotografia ou a montagem não encontram maneiras de intervir criativamente, tornando-se reféns da composição dos protagonistas. A trilha sonora também interfere bastante, com diversas canções indie-pop reforçando a atmosfera agradável e despretensiosa, impedindo que os conflitos se intensifiquem demais. Predomina o imperativo da inconsequência: duas pessoas que se detestam num dia podem se amar no dia seguinte; o rancor de Ben a respeito da criação do pai desaparece logo, as dores de amor de Alice em relação ao ex-namorado adúltero irrompem apenas quando interessa ao roteiro aprofundar a dramaticidade.

Rumo ao final, no entanto, a impressão de um filme levemente descolado das regras do gênero se dilui. Convidado Vitalício faz questão de introduzir uma briga abrupta e inverossímil entre os protagonistas, apenas para propor uma solução mágica em seguida. A comédia romântica sempre dependeu desta fé na reconciliação a qualquer preço: mesmo se os personagens se desentenderem, tudo há de ficar bem no final. Talvez por isso o gênero seja considerado uma atualização dos contos de fadas para adultos: ele prega a resistência do amor face a qualquer adversidade, resgatando a ideia um tanto anacrônica de destino, ou ainda de almas gêmeas. Mais cedo ou mais tarde, tudo há de se arranjar. Alguns filmes como 500 Dias com Ela (2009) e Mesmo Se Nada Der Certo (2013) conseguiram romper com o otimismo forçado, no entanto Chan e Rhymer ainda se prendem à fórmula. De qualquer maneira, esta constitui uma sólida incursão da TNT na produção de longas-metragens. O resultado não faria feio às comédias românticas que têm conquistado enorme sucesso na Netflix, por exemplo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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