Crítica


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Sinopse

Após ficar à deriva, a tripulação de uma traineira irlandesa precisa lutar contra um parasita no suprimento de água se quiser sobreviver.

Crítica

O cinema se valeu inúmeras vezes da limitação dos espaços para ampliar situações angustiantes e/ou aterrorizantes. Por exemplo, certamente o fato de não poder sair da nave Nostromo, sob a pena de morrer num vazio insalubre, acentua o perigo imposto pelo extraterrestre icônico nos filmes da saga Alien. Em Contágio em Alto Mar, como prenuncia o título em português, os personagens se encontram tensionados por uma restrição dessa natureza. Porém, Neasa Hardiman não trabalha esse óbvio aspecto claustrofóbico da jornada agravada pelo surgimento de uma criatura hostil, desdobrada adiante em não menos perigosas larvas parasitárias que colocam a vida de todos em enorme risco. É  muito burocrática a relação da câmera e das pessoas com a estreiteza dos corredores, a necessidade de esticar-se e dobrar-se para caber em determinados espaços, bem como a própria privação a qual são submetidos homens e mulheres distantes da costa. Principalmente por conta dessa displicência, a potencialidade da aflição escoa rapidamente, não durando.

Contágio em Alto Mar se autossabota frequentemente, desperdiçando elementos que, se articulados de maneira menos frouxa e/ou negligente, poderiam render minutos de suspense genuíno e adesão aos dramas humanos inerentes ao que acontece. Um dos elos frágeis do filme é a protagonista, Siobhán (Hermione Corfield), alguém cuja apatia prevalece sobre a pretensa imersão em questões a resolver e pensamentos. Ela é inicialmente desenhada como uma pesquisadora antissocial disposta apenas ao básico de interação humana para estabelecer uma convivência com os tripulantes da embarcação pesqueira que a acolhem mediante pagamento. Essa jovem tem a missão de mapear padrões da fauna marinha, também atenta às anomalias que poderiam equivalentemente ajudar a compreender um sistema complexo. Essa investidura poderia motivar uma metáfora relativa a questões maiores, concernentes inclusive ao perigo que todos sofrem na companhia indigesta do animal desconhecido. No entanto, a realizadora prefere não aprofundar as simbologias.

Depõe contra o resultado a natureza abrupta de certas constatações e conclusões. Siobhán é vista com desconfiança pelos embarcados – soma de superstição e da falta de afinidade diante de sua introspeção –, mas Neasa Hardiman acha plausível lançar mão, repentinamente, de uma celebração ao fato dela ser, segundo os pescadores, “a melhor estudante que já tivemos”. Faltou uma elipse bem inserida para que essa mudança soasse digestível. Adiante, a protagonista trava uma conversa com Freya (Connie Nielsen). Ela, especialista em previsão de cenários, dialoga com alguém interessada por dados menos científicos, tais como a intuição e os presságios advindos de um terreno insondável por meio de lentes microscópicas e dissecações. Ali, surge a esperança de que o filme trate de investigar uma obviedade intrínseca, ou seja, que a cientista não pertence ao mundo sustentado por noções imensuráveis e inclinado a levar a sério mitos e crendices perpetuadas. Pena o estopim não ser suficiente para inflamar a narrativa nessa direção, sendo assim apressadamente apagado.

A baixa densidade dos personagens é determinante à ausência de força dramática quando a morte se aproxima, fazendo as primeiras vítimas. O acúmulo de cadáveres não concede ao filme urgência, principalmente em virtude da pouca habilidade de Neasa Hardiman para articular os aspectos da linguagem. Ela tampouco consegue tornar rico o trajeto de Siobhán no sentido de, primeiro, estar implicada demais para utilizar a racionalidade a fim de encontrar saídas àquelas circunstâncias, e, segundo, tomar inesperadamente as rédeas do contexto diante do desespero encarregado de cegar os colegas de embarcação. Especialmente tempos de pandemia da Covid-19, tenderia a ser ainda mais palpável o importante debate ético suscitado sobre os sacrifícios em função da manutenção de milhares de vidas. Contudo, não é conferido tempo o bastante a esse embate intelectual ao ponto dele ganhar relevância. Ele é trazido à tona, mas logo acaba afundando. Nesse tipo de filme, as pessoas costumam se revelar tão temerárias quando os cruéis predadores. Nem isso é realçado, colocado em xeque, subvertido ou mesmo bem tratado, embora conjurado pelos rumos da trama.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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