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Sinopse

Depois de mais de 50 anos de conflito, as guerrilhas colombianas estão prestes a entregar suas armas em troca de uma política de inclusão social aos mais pobres. Ernesto se vê em meio ao caos e tema pela própria sobrevivência.

Crítica

No final de 2016, o governo colombiano e as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia assinaram um acordo de paz, dando um passo que se apresentava como fundamental para o fim da guerra civil que assola o país há mais de 50 anos. Esse ato, responsável por render ao então presidente, Juan Manoel Santos, o Prêmio Nobel da Paz, é tema central do documentário Colômbia Era Nossa, dirigido pelos finlandeses Jenni Kivistö e Jussi Rastas, que pretendem expor os pontos de vista sobre a situação política colombiana e as consequências do tratado para os diversos lados envolvidos: guerrilheiros, políticos de direita contrários à decisão, camponeses, membros da elite, etc. Se as imagens que abrem o longa, captando, com esmero e em detalhes, a arma de um guerrilheiro, que descreve cada característica de seu “instrumento de trabalho”, podem sugerir um tom bélico, este termina explorado mais por um viés simbólico.

A violência e os conflitos armados são elementos-chave do cenário retratado, e em momentos pontuais, Kivistö e Rastas os apresentam de forma mais gráfica – como nas imagens amadoras de uma ação militar contra um grupo de camponeses. Contudo, o discurso em si se revela mais caro à dupla do que a ação. É no poder das palavras que seu olhar é centrado, buscando não apenas expor o efeito divisivo do acordo de paz, tanto entre a esfera política quanto na sociedade de modo geral, mas também retratar o cotidiano dos personagens dentro desta realidade, em particular, o dos guerrilheiros. O registro desse dia a dia revela a eloquência dos líderes do grupo, que acreditam na mudança do tipo de luta: da armada à política. Uma transformação que passa pela extinção do braço bélico do grupo, com a entrega de todo o arsenal para a ONU – gerando imagens realmente impressionantes de pilhas armas –, e pela evolução das FARC para um partido político legítimo, a Força Alternativa Revolucionária do Comum.

Kivistö e Rastas mergulham nesse universo construindo uma narrativa bastante fluida, apoiada na força dos depoimentos e de um belo trabalho de composição de imagens, demonstrando um olhar atento para seu potencial alegórico e poético, sem se ater a contextualizações e explicações didáticas. Claramente, o objetivo dos cineastas não é ser meramente informativo, num sentido professoral, mas, sim, reflexivo. Explorando as nuances e contradições que permeiam as perspectivas dos lados ouvidos, a dupla desvela a complexidade da situação colombiana, pois, por mais que a promessa de paz possa parecer, inicialmente, um desejo comum, a realidade se mostra diferente, impactando os envolvidos muitas vezes de modo inesperado. Desde os camponeses que garantem sua subsistência trabalhando nas plantações ilegais de coca e que se veem desprotegidos diante das ações do exército aos ex-integrantes das FARC que, sem seus líderes principais, em pouco tempo acabam retornando às armas.

Na divisão dos relatos, o longa acaba pendendo ao lado guerrilheiro, que ganha mais tempo de tela para expor a tentativa de implementação de seus ideais, agora pelas vias políticas legais. As figuras de liderança do grupo são humanizadas por meio do registro de sua intimidade, discutindo temas triviais, cantando, dançando ou aguardando ansiosamente o resultado das eleições. Mesmo com esse destaque, porém, os outros grupos que compõem o panorama sociopolítico do país também ganham voz. Seja nas cenas das sessões acaloradas no congresso – retrato quase circense tão familiar ao público brasileiro/latino-americano – nos depoimentos individuais de membros da direita colombiana ou da elite, representada na figura de um herdeiro de família tradicional que vaga por sua mansão levemente decadente, e que de tão caricatural levanta a dúvida sobre sua real existência. Há um humor satírico sutil, mas ferino, imposto por Kivistö e Rastas na ideia de que, mesmo que seja um personagem fictício, este ainda representa o pensamento de uma parcela significativa da sociedade.

A mentalidade de uma elite que procura exibir uma imagem de lucidez e imparcialidade, mas que permanece em seu pedestal seguro e descolado da realidade, visando apenas a manutenção deste cenário. Essa percepção que envolve o ato final de Colômbia Era Nossa ganha corpo na alegoria das touradas ou, de forma mais direta, quando o herdeiro afirma ser impossível acabar com as elites, mas que estas precisam ser conscientes. Tais pensamentos, quando complementados por aqueles expostos pela camada mais humilde da população em uma assembleia com membros do partido das FARC, só reafirmam que a tão sonhada era de paz e transformação ainda parece distante. Aos questionarem os ex-guerrilheiros sobre o que de fato estes propõem de diferente, mostrando-se descrentes e receosos de que, a partir do momento em que entram para a política, não importa o quão bem intencionados sejam, estes também acabam corrompidos e se tornam parte do sistema, essas pessoas materializam o profundo sentimento de impotência diante da imutabilidade do estado das coisas.

Filme visto online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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