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Sinopse

Em Portugal, uma família de classe média passa por grave crise financeira. O pai perde o emprego, e não encontra outro trabalho. A mãe consegue uma segunda ocupação para aumentar a renda, mas anda sempre cansada e mal para em casa. Enquanto se tornam estranhos uns aos outros, a filha adolescente, negligenciada por ambos e cheia de segredos, começa a se rebelar.

Crítica

Os personagens de Colo, mais recente filme de Teresa Villaverde, são atravessados por crises substanciais e distintas. Em meio à heterogeneidade de problemas, entre pessoais e sociais, destaca-se a turbulência decorrente da falta de dinheiro, evidenciada desde o princípio pelo desconforto que perpassa o convívio familiar de Marta (Alice Albegaria Borges). O desespero contido do pai (João Pedro Vaz) por conta do atraso noturno da mãe (Beatriz Batarda) parece desproporcional, sensação dissipada na medida em que percebemos a fragilidade emocional desse homem desempregado, cuja desorientação decorre exatamente da dificuldade de voltar ao mercado de trabalho e, por conseguinte, prover o sustento doméstico. Há um rigor formal evidente na maneira como a realizadora aborda essas pessoas essencialmente fraturadas. A câmera impávida registra o surgimento de pequenas fissuras no cotidiano, dando tempo mais que suficiente para investigarmos porquês não explicitados, o que nos confere um papel ativo.

Valendo-se de um jogo narrativo tão instigante quanto bem orquestrado, a realizadora adensa gradativamente a instabilidade que toma de assalto os envolvidos, permitindo-nos acesso às suas subjetividades, mesmo sem necessariamente entregar algo de bandeja. Outra característica marcante é a negação de uma centralidade estanque. Embora Marta seja, de fato, a figura principal do longa-metragem, pois a partir das vivências dela enxergamos as pessoas em cena e suas dificuldades, volta e meia pegamo-nos colados na vivência de outrem. O protagonismo, então, é deslocado ligeiramente em momentos bastante específicos, para que tenhamos uma ideia melhor da angústia que inapelavelmente atravessa o caminho, especialmente, da família retratada. Colo é um filme de ritmo cadenciado, no qual a cenografia desempenha papel fundamental, mais que o da montagem, por exemplo. É na relação da gente com os espaços que se estabelece a atmosfera de opressão e melancolia predominante.

Outro ponto importante a ser destacado é a forma como Teresa encara a juventude, ressaltando, primeiro, a inconsequência que lhe é inerente, e, segundo, o desencanto diante da incapacidade dos genitores de serem, de fato, portos seguros. O pai e a mãe de Marta são simbólicos nesse sentido, pois vão ruindo pouco a pouco diante das instâncias desfavoráveis. Ele não consegue superar a tristeza oriunda do desemprego. Ela, por sua vez, sofre na pele o peso excessivo de sustentar a família, inclusive psicologicamente. Colo, em seu percurso ocasionalmente lento demais, evita ao máximo dar espaço para julgamentos morais, mesmo quando os personagens tomam atitudes completamente estapafúrdias, como a do pai diante da necessidade de mudar-se para a casa da sogra por conta dos incontornáveis problemas financeiros. O problema de Julia (Clara Jost), amiga de Marta, denota a urgência de crescer, algo compartilhado pela protagonista quando as opções oferecidas pelos pais não satisfazem.

A rigidez formal, haja vista a prevalência de planos longos, em que aparentemente nada de muito expressivo acontece – embora resida nesses “tempos mortos” a força dramática – tende a afastar o espectador mais afoito por explicações e viradas constantes. Colo nos convida a observar com atenção, sem pressa, para isso, às vezes, incorrendo numa imobilidade incômoda, mas, no geral, oferecendo uma experiência instigante. A crise econômica que afeta Portugal não é estudada para além do núcleo familiar, mas seus efeitos nele, especificamente, são suficientes para configurar uma crítica social, mais diretamente à dependência do dinheiro para atingir estabilidade e, em virtude dela, a felicidade. Teresa Villaverde não torna fácil essa constatação dos efeitos nefastos da quebradeira europeia, mas compensa passagens demasiadamente estagnadas com a possibilidade de acompanharmos de perto a desintegração de uma estrutura micro que, evidentemente, reflete a fragilidade da macro.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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