Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Desde 1940, quando seu pai comprou um cinema na cidade de Dois Córregos, a vida de Francisco Teles foi definida por esse lugar. A sala, que já teve diversos nomes, mortes e ressurreições, é o símbolo vivo da passagem do projetor a carvão ao digital, da resistência diante da TV e do videocassete e também da memória afetiva na cidade.

Crítica

Muito antes do surgimento da televisão, do videocassete (posteriormente do DVD e do Blu-Ray) e da internet – com suas possibilidades de download e streaming –, o cinema possuía um papel bem diferente na vida das pessoas. Isso fica evidente ao nos depararmos com histórias semelhantes às de Francisco Augusto Prado Telles, que herdou do pai o estabelecimento homônimo deste documentário dirigido por Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli. Cine São Paulo aparentemente se dá como mero registro da batalha do Seu Chico para adequar o espaço às normas de segurança vigentes, assim podendo reabri-lo, mesmo sabendo das dificuldades para viabilizá-lo atualmente como negócio. O primeiro, e principal, trunfo do filme é o carisma do protagonista, por quem nos afeiçoamos praticamente de imediato. É louvável a sua disposição desmedida em manter o prédio funcionando com a finalidade à qual foi construído há mais de um século. Sem modernização, este templo fecha.

Os cineastas, aliás, temperam a narrativa com essa sensação de embate constante entre o antigo – pois, nas palavras de Seu Chico, velho é o que não serve mais – e o novo. Em meio a questões de ordem prática, como a necessária troca do forro, a substituição do sistema elétrico que parece não mais dar conta do recado, tudo capturado com minúcia para reforçar o esforço hercúleo empreendido, temos excertos de memória que substanciam sobremaneira a empreitada fílmica. Cine São Paulo ganha tons emotivos quando o protagonista relembra, com pessoas próximas, às vezes até mesmo trabalhadores da obra, momentos especiais vividos no local, como as sessões de Ben-Hur (1959), clássico de William Wyler cujas imagens servem para estabelecer uma ponte entre Seu Chico e o pai já falecido, de quem obviamente ele tem orgulho. Doris Day cantando "Que Sera Sera" em O Homem Que Sabia Demais (1956) propicia outro desses elos afetivos com o passado, que enchem o filme de um saudosismo bonito.

Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli investem no simbolismo atrelado à resistência incondicional do protagonista. Seu Chico representa, de certa maneira, os malabarismos que o próprio cinema teve de fazer ao longo de sua existência para sobreviver. Se a chamada sétima arte já foi ameaçada por diversos “concorrentes” que 'prometiam" tirar-lhe inapelavelmente do circuito, ele também precisou moldar-se frequentemente para sustentar de pé o seu ideal, a sua paixão. Cine São Paulo documenta a teimosia bem-vinda de um homem determinado a não se dobrar, ainda que para isso seja inevitável penhorar suas economias. A não participação da esposa, contrária ao investimento para a revitalização desse lugar sem muitas perspectivas de lucratividade, é tratada com pesar por Seu Chico. Já a ajuda de uma funcionária municipal é valorizada, tida como imprescindível, ou seja, ele não está totalmente sozinho nesta jornada quixotesca para devolver a telona à cidade de Dois Córregos, no interior de São Paulo.

A relação entre o antigo e o novo se torna mais tangível com a chegada do projetor doado, substituto do original movido a carvão. Embora longe do digital, ainda se valendo da boa e velha película, cada engrenagem atual é um desafio ao aprendizado. Próximo do fim de Cine São Paulo surge um forte ruído entre Seu Chico e a equipe do documentário que insistiu em filmar um evento marcado por um suspense “hitchcockiano. Ele coloca em xeque a intenção dos cineastas, acusando-os de guiarem-se tão e somente por seus objetivos, deflagrando um possível conflito de interesses. Inserir isso no filme é, antes de mea culpa, manter entreaberta uma porta para discutir a ética e os seus meandros. Longe de se insurgir como tema, esse dado mostra a disposição diretiva em incorporar dramaticamente à estrutura do longa-metragem os imprevistos, exatamente como o quase insucesso de uma projeção emblemática para o Cine São Paulo, este símbolo de perseverança e, especialmente, de amor pelo cinema.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
7
Robledo Milani
6
MÉDIA
6.5

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