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Personagem fundamental da cultura brasileira nos últimos 50 anos, autor, dramaturgo e compositor de uma extraordinária coleção de canções que habitam o imaginário coletivo do país, Chico Buarque dialoga com a própria memória.

Crítica

Que Chico Buarque seja um dos maiores nomes da música popular brasileira, disso ninguém duvida, nem questiona. No entanto, é surpreendente perceber que, mesmo com mais de cinquenta anos de carreira, somente agora um cineasta decidiu se debruçar sobre sua personalidade para a elaboração de um documentário a seu respeito. Felizmente, não foi qualquer um – afinal, o responsável por Chico: Artista Brasileiro é Miguel Faria Jr., o mesmo de Vinícius (2005), uma das produções nacionais do gênero de maior bilheteria em todos os tempos. Mas mais do que isso, do que entregar um filme pronto para cair no gosto popular, há espaço para descobrirmos Chico de uma maneira como poucas vezes fora possível antes, além da figura pública, privilegiando tanto seu talento singular como também sua intimidade – dentro da medida do possível, é claro.

Afinal, Chico: Artista Brasileiro não é um filme oportunista. Não se trata de uma produção barata – não no sentido financeiro, mas de cuidado e detalhamento – e feitas às pressas. É algo, pelo contrário, que denota interesse a refinamento, bem de acordo com a personalidade do retratado. Faria Jr. reuniu-se com Chico Buarque no apartamento dele no Rio de Janeiro e em uma sequência de conversas conseguiu abordar os principais tópicos de sua trajetória em mais de setenta anos de vida. A infância, a influência paterna, os primeiros amigos, a adolescência na Europa, a volta ao Brasil, o começo do sucesso, as grandes parcerias musicais, a luta contra a Ditadura, as poucas experiências como ator, o medo do palco, a paixão pelo esporte, a consagração como escritor. Mas do que isso, discorre também sobre as relações familiares, o casamento com Marieta Severo – que durou três décadas – e os filhos e netos frutos dessa união, sua vida atual e como lida com a solidão – ou mesmo a ausência dessa.

Tudo é construído de modo cronológico, como se o espectador tivesse se sentado em frente ao Chico e pedido ao próprio que narrasse, com suas palavras, os momentos mais importantes de sua vida. Chico não se exime de cada detalhe, muitas vezes acha graça de si mesmo – seu bom humor é invejável – e mesmo em assuntos mais delicados, como a convívio com o pai – e a longa sombra dele sobre os filhos – ou o período de exílio, durante o Governo Militar, não deixam de ser tratados. No entanto, tudo está ali sob o seu ponto de vista, e não há ninguém para corroborá-lo – ou mesmo contradizê-lo. Assume-se sua visão dos fatos como a sua verdade, e ao espectador cabe confiar nessa versão, dependendo muito para isso da empatia que o artista possui com seu público.

Mas mais do que um convite ao mundo particular de Chico Buarque, muitos do que forem até este longa farão isso pelo interesse que possuem por sua música – ainda que ele afirme ser mais conhecido internacionalmente como escritor do que como cantor e compositor, é certamente sua veia musical que fala mais alto por aqui. É justamente nessa questão que Chico: Artista Brasileiro revela seu ponto fraco. Afinal, pouco se escuta de sua voz – apenas duas canções são interpretadas por ele, a de abertura (Sinhá) e a de encerramento (Paratodos). As demais ou são ouvidas em trechos de suas gravações originais, ou defendidas por artistas de uma nova geração e não tão populares. Apenas dois nomes de peso foram convidados para essas participações – Ney Matogrosso e Milton Nascimento. Talvez o objetivo tenha sido justamente esse, privilegiar suas letras, sem destacá-lo como intérprete. Mas é quase impossível não se frustrar com essa decisão.

Miguel Faria Jr. estava há anos sem filmar – seu último longa fora justamente o citado Vinícius, dez anos atrás. O peso do tempo é inevitável, e se neste trabalho anterior ele demonstrava uma vivacidade e um aprofundamento de pesquisa muito maior, aqui ele decide jogar uma partida já ganha. O Chico Buarque que se revela em Chico: Artista Brasileiro é merecedor de todas as honrarias possíveis, mas não chega a ser surpreendente ou inesperado. Para quem não o conhece – como, talvez, o irmão alemão, que gera uma das melhores passagens do filme – talvez sirva como um ótimo cartão de visitas. Algo que, é preciso concordar, ele não precisa. Para todos os demais, tem-se algo bonito, merecedor do homenageado, mas que serve apenas para reafirmar o óbvio e eternizar algo que não pode ser esquecido. Válido, porém sem compreender em toda a sua abrangência e totalidade o talento deste verdadeiro gênio nacional.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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