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Sinopse

As dores e as delícias de personagens que frequentam um salão de dança na cidade de São Paulo. Em meio a muita música, bailado e conversas, essas pessoas são atravessadas por amor, solidão, desejo e traição.

Crítica

Uma das produções nacionais mais comentadas da recente temporada justifica todo elogio recebido: Chega de Saudade, de Laís Bodanzky, é realmente uma delícia. Filme inteligente, com roteiro pensado e estruturado, personagens muito bem construídos, uma direção original e criativa, um elenco afinado e uma trilha sonora tão pesquisada e inteligente que acaba se tornando um elemento crucial do sucesso da empreitada. E como é bom assistir a um filme em que simplesmente tudo funciona à perfeição!

Quando estava lançando seu trabalho anterior, Bicho de Sete Cabeças (2001), eu conversei com a diretora, que me confidenciou que uma de suas maiores emoções profissionais tinha sido a oportunidade de finalizar seu filme na Cinecittá, em Roma, numa sala ao lado onde Ettore Scola estava editando Concorrência Desleal. Conhecer o respeitado cineasta italiano foi uma honra imensa para ela, a ponto inclusive de influenciar seu longa seguinte, este Chega de Saudade. A referência mais óbvia é uma outra obra de Scola, O Baile (1983), até pelo tema do enredo - as diversas situações possíveis de acontecer durante um baile de salão - mas é num terceiro filme de Scola que a estrutura de Chega... se apóia: O Jantar (1998). Assim como neste emocionante trabalho estrelado por Fanny Ardant e Vittorio Gassman, Bodanzky e o marido Luiz Bolognesi construíram um enredo baseado basicamente nos personagens, nas interações entre eles e como reagem a cada nova situação. É um salão de dança, mas poderia ser perfeitamente qualquer outro lugar. O carinho e respeito com que eles são tratados certamente seria mantido da mesma forma.

Bolognesi e Bodanzky afirmam que estudaram por meses o ambiente enfocado para o preparo do roteiro. E desse período de observação são criações completamente naturais deste universo: a solteirona desesperada (Betty Faria, com uma entrega impressionante), a apaixonada ferida no seu orgulho (Cássia Kiss, contida na medida certa e muito adequada ao que lhe é exigido), a viúva em busca de um novo parceiro de dança (Tônia Carrero, num papel inicialmente pensado para Fernanda Montenegro, mas que surpreende a cada instante, até um discurso final ao pé da escada que comove até o mais renitente), a garota estranha ao lugar que observa tudo com um misto de curiosidade, repulsa e fascínio (Maria Flor, delicada e exuberante), o conquistador de boa lábia (Stepan Nercessian, mostrando mais uma vez, assim como em Podecrer!, um talento muito superior ao que costuma revelar na televisão), o viúvo amargurado (Leonardo Villar, responsável por alguns dos momentos mais emocionantes) e o DJ alheio a tudo que se passa ao seu redor e só preocupado com o que lhe diz respeito direto (Paulo Vilhena, também surpreendentemente adequado). Todos estes tipos interagem em altos e baixos. Para uma proposta que se imagina à princípio tão feliz, chega a chocar quando nos pegamos, em determinadas sequências, sofrendo com praticamente todos os envolvidos. E da dor logo somos conduzidos para a vitória, num rodízio de sucessos e perdas, paixões de uma noite e amores de uma vida inteira. Chega de Saudade celebra, acima de tudo, a vida daqueles que se negam a deixar de aproveitar até o último instante.

Premiado no último Festival de Brasília nas categorias de Melhor Direção e Melhor Roteiro, Chega de Saudade teve um orçamento de R$ 4,6 milhões de reais, e tem produção da Gullane Filmes, a mesma de títulos como O Ano em que meus pais saíram de Férias e O Mundo em Duas Voltas. Apesar do fraco retorno de bilheteria que vem obtendo, tem se mantido entre os dez filmes nacionais mais vistos deste ano, o que, mesmo assim, não deixa de ser uma injustiça - deveria, sim, estar entre os filmes mais vistos entre todas as nacionalidades, brasileiros ou não! Com uma edição extremamente bem elaborada de Paulo Sacramento, fotografia de Walter Carvalho e trilha sonora de Bid, este é um filme para ser degustado aos poucos, enxuto e objetivo, cheio de sabores diversos para serem apreciados com interesse e sabedoria. E para ser levado para casa com carinho, como as emoções de uma festa que não quer acabar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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