Crítica


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Sinopse

Um grupo de soldados norte-americanos está lotado no Iraque em 2003. Um cabo inexperiente é convocado para auxiliar na reparação de uma estação de água danificada. No entanto, para isso ele terá de encarar a dura tarefa de conquistar os corações dos moradores locais.

Crítica

Bravura e covardia são dois elementos constantes em narrativas de guerra. Dentro de uma linha mais conservadora, no que tange ao maniqueísmo encarregado de enquadrar e reduzir nocivamente os comportamentos no front, a conduta inicial do soldado Matt Ocre (Nicholas Hoult) seria considerada medrosa, inevitavelmente. A fim de escapar do confronto, ele esmaga propositalmente a mão na porta de um veículo militar, tentando, assim, tornar-se incapaz. Todavia, em Castelo de Areia, primeiro filme internacional dirigido pelo brasileiro Fernando Coimbra, essa atitude adquire outras conotações. Isso, especialmente quando o próprio protagonista, demonstrando-se relativamente ciente das engrenagens prestes a lhe moer com fins obscuros, entende que numa situação de guerra a covardia é uma constante, não exceção. Então, de cara, temos essa carta explícita de intenções. Não estamos diante de uma produção empenhada em glorificar os esforços estadunidenses no exterior, muito pelo contrário.

O foco de Coimbra, guiado pelo roteiro de Chris Roessner que, por sua vez, baseia-se em experiências pessoais no Iraque, se concentra no desmonte sutil e gradativo do discurso hipócrita utilizado tanto para motivar os soldados quanto para tentar convencer o povo local a receber de bom grado a “ajuda” do Tio Sam. Ocre serve como um filtro ao espectador, pois é por meio de sua visão deslocada do contexto amplamente aceito que entendemos as contradições e a perversidade das operações de intervenção norte-americana no Oriente Médio. Embora seja um longa-metragem de guerra, com todos os elementos que consagraram esse gênero, Castelo de Areia se vale da ação como componente periférico de uma investigação mais profunda, preocupada em desmascarar as ordens superiores, para isso apontando o vazio das tarefas delegadas aos jovens, o despropósito intrínseco à interação violenta com um povo, óbvia a e compreensivamente, hostil à imposta presença ocidental.

Se a primeira parte de Castelo de Areia proporciona a identificação quase imediata com os modos do protagonista, um homem obviamente inadequado a esse cenário de colegas programados para reafirmar a soberania estadunidense – ainda que eles acreditem piamente na pretensa nobreza das finalidades em jogo – a missão principal traz outras nuances. O grupamento de Ocre é designado para remendar um problema ocasionado pelo exército dos Estados Unidos que, em determinada missão, bombardeou a estação de abastecimento de água de uma cidade, privando seus moradores da subsistência. Na medida em que se envolve com o encargo especial, comandado na base estabelecida pelo capitão Syverson (Henry Cavill fazendo, praticamente, uma participação especial), o protagonista não somente testemunha os desdobramentos da guerra, mas também começa a sentir-se parte daquilo, seja por conta da proximidade com os demais soldados ou em virtude da empatia com alguns iraquianos.

O grande mérito de Fernando Coimbra em Castelo de Areia é proporcionar uma reflexão que ganha camadas quanto mais os personagens adentram na falta de sentido das tarefas às quais são impelidos. Ir e voltar com caminhões-pipa, consertar a estação destruída, muito antes de esforço humanitário, é parte de uma diplomacia fajuta para justificar a intervenção, revestindo-a com uma fina membrana de fidalguia. Coimbra, com inteligência e habilidade, evita reforçar estereótipos, estofando de humanidade, por exemplo, os coadjuvantes, inicial e intencionalmente desenhados como meros produtos da alienação. O protagonista, interpretado com excelência por Nicholas Hoult, igualmente se transforma pela experiência no Iraque, atestando os inevitáveis e múltiplos efeitos colaterais de uma guerra. Preterindo a ação em função da observação e da ponderação, legando os embates (bem filmados) à margem, o diretor cria um filme essencialmente antibélico, aliás, como todos do gênero deveriam ser.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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