Crítica
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Sinopse
Estela vive na São Paulo de 1984, ambiente de reabertura política e redemocratização. Ela espera ansiosamente pela viagem aos Estados Unidos para visitar o tio. Porém, o mesmo volta da Califórnia debilitado por uma doença grave.
Crítica
“Vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”. A frase de John Lennon (da canção Beautiful Boy) serve de lema no cartaz de Califórnia, primeiro longa de ficção de Marina Person. Filha do mestre Luiz Sergio Person (diretor do clássico São Paulo: Sociedade Anônima, 1965) – a quem dedicou seu primeiro esforço como realizadora de longa-metragem, no documentário Person (2007) – a também atriz, apresentadora de televisão e crítica de cinema decidiu sabiamente trilhar um caminho seguro nessa estreia, investigando uma trama de fortes tons autobiográficos e colocando a protagonista, vivida pela igualmente novata Clara Gallo, como sua alter ego. O resultado, tímido e pouco ambicioso, é simpático dentro dos limites que se auto-impõe, sem ousar, nem surpreender.
Estamos em São Paulo, início dos anos 1980. Estela (Gallo) é uma adolescente como tantas outras da sua idade: tem as melhores amigas de escola, flerta com o garotos, é fã de música e cinema e nem sempre está no melhor dos humores em casa, juntos aos pais (Paulo Miklos e Virgina Cavendish, apropriados) e com o irmão menor. Seu maior ídolo é o tio Carlos (Caio Blat, em participação especial), que jogou tudo para o alto e foi viver em Los Angeles, nos Estados Unidos, para trabalhar como jornalista e experimentar tudo que no Brasil daquela época ainda era inacessível – rock, drogas e até sua velada homossexualidade, escondida da família, porém não dissimulada. A menina o vê como um herói, alguém que foi atrás dos sonhos sem olhar para trás e que hoje é seu maior exemplo. Tanto que, ao invés da tradicional festa dos 15 anos, ela pediu como presente uma viagem à Califórnia, não só para visitá-lo mas também para vivenciar um pouco de tudo aquilo que só conhecia através das cartas que ele lhe envia regularmente. Mas nem todos os planos são feitos para serem realizados.
Marina Person divide seu foco entre dois momentos distintos: o cotidiano de Estela, a rotina ao lado das colegas, o possível namoro com o surfista bonitão (Giovanni Gallo, do ótimo De Menor, 2013) e a atração que aos poucos vai surgindo pelo colega ‘alternativo’ (Caio Horowicz, premiado como Melhor Ator Coadjuvante no Festival do Rio). Entre elas há o relacionamento, a amizade, a confiança. Com o primeiro garoto, se defronta com a descoberta do sexo, a atração física, a autoestima. E com o segundo há um entendimento mais profundo e, por isso mesmo, mais complicado de ser elaborado. Nestes aspectos o filme se sai mais convincente, ainda que não seja totalmente inédito. Conquista pela simplicidade, pela honestidade com que assume suas emoções e por evitar clichês evidentes.
No entanto, os problemas se revelam naquele que deveria ser o argumento de virada: a chegada do tio Carlos. A volta do parente ao Brasil frustra as expectativas da garota em ir aos Estados Unidos, e também serve para levantar outra discussão: ele está doente, vítima da AIDS e, principalmente, da desinformação generalizada que dominava a situação naquela época. Person, no entanto, evita um aprofundamento neste debate. A própria homossexualidade dele é abordada de modo apenas passageiro – vemos apenas uma cena ao lado de um suposto namorado, vivido de forma discreta e convincente por Ivo Müller. Não se questiona, nem se instiga uma maior troca de ideias a respeito. Fica tudo sob o olhar da protagonista, mas com tanto a viver ela oferece pouca atenção a um episódio que até então parecia lhe ser de suma importância. Acaba, por isso mesmo, menor, quase como uma nota de rodapé, ao invés de assumir o devido impacto até então imaginado.
Estela tem tanto a passar, a conquistar, a comemorar e a lamentar que chega a ter a impressão de não aproveitar o hoje na medida que lhe é oferecido. Marina Person está ali na tela, e bem sucedida que é, sabemos que no final tudo dará certo, rumo a um inevitável final feliz – e, ainda que este não seja o mais óbvio, fica claro ser o necessário. Califórnia é um filme de passagem, de amadurecimento, de possibilidades. Nem todas chegam a ser exploradas em todo o seu potencial, mas o resultado está longe de se revelar uma experiência frustrante. É um passo importante, tanto para a personagem da ficção quanto para a cineasta em formação. Afinal, o futuro das duas tem tudo para ser auspicioso. Resta confiar no tempo e esperar pelo melhor.
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