Sinopse
Em uma noite chuvosa, Gabriel e Diego, um escritor amargurado e um piloto de helicópteros, respectivamente, reavaliam suas vidas. Aos poucos, colocam em xeque aqueles que querem continuar e os que simplesmente preferem ficar pelo caminho.
Crítica
Baseado na peça homônima de Mário Bortolotto, Borrasca não é, quanto à sua encenação, subserviente aos procedimentos teatrais. Pelo contrário. Até que o cineasta Francisco Garcia bem que tenta desvencilhar-se dessa gênese, investindo frequentemente em close-ups e num jogo de cena que, mesmo infértil, demonstra a pouca disposição pela prevalência do plano estático/único. Todavia, a submissão ao texto basilar é o que, de cara, deflagra a sujeição do resultado cinematográfico. Numa noite chuvosa, Gabriel (Bortolotto) afoga as mágoas em garrafas de bebida alcoólica, enquanto um de seus melhores amigos, Diego (Francisco Eldo Mendes), questiona a sua ausência na cerimônia fúnebre de um chegado de ambos. Há a citação das falas em seus pormenores, sem preocupação, tanto interpretativa quanto diretiva, de fazer os diálogos soarem orgânicos. Esse empostar excessivo expõe a artificialidade que perpassa o longa-metragem integralmente.
Borrasca é um acerto de contas, sessão de descarrego emocional. Gabriel expressa ressalvas quanto ao morto, mencionando incessantemente o fato dele ter feito sexo com sua esposa, portanto traindo a confiança alheia. A importância conferida ao assunto, vide a recorrência do dito cujo, mostra os pilares desse mundo essencialmente masculino e decadente, algo nutrido pelo fato de haver ali um escritor. Essa boemia observada com um misto curioso de admiração e melancolia alicerça conversas marcadas por uma preocupação maior com a sonoridade da pronúncia que necessariamente comprometido com a verdade das palavras ditas. Nesse tocante, Francisco (o ator) é especialmente infeliz, por construir um personagem embotado, ineficiente como contraponto do homem que confessa fragilidades em meio a goles demorados de whisky. Bortolotto, por sua vez, sai-se um pouco melhor, ainda que não o suficiente para substanciar esse decalque de Charles Bukowski.
A linguagem de Borrasca é pobre, não apenas no que tange à forma endurecida dos protagonistas se apresentarem. A trilha sonora sublinha e reitera, quando muito ampliando a sensação de folhetim que se instaura. O universo debatido em diatribes por Gabriel e Diego é o dos homens que buscam admiração e caem em desgraça ao menor sinal de desapego feminino. Há um existencialismo de boteco, no sentido de estar estritamente ligado à combustão emocional que o álcool provoca nos conhecidos. São discutidas, num ritmo cansativo, questões como a essência da “cornitude”, as responsabilidades assumidas e o entorno empenhado em premiar os vencedores. Porém, a autocomiseração ganha contornos desajeitados de refúgio retórico, com os dois frequentemente citando a derrota como caminho inevitável. Beira o involuntariamente engraçado a disposição de Diego por confrontar o amigo entristecido com argumentos pífios e proposições bastante frágeis.
Isolados pela chuva ouvida ao longe, os protagonistas de Borrasca falam de amores, das dificuldades para lidar com heranças paternas, forçando um tom melindroso. A direção não consegue enxergar além do que o texto prevê. A concepção imagética passa pela anteriormente abordada vontade de fugir ao teatral, mas delineia um percurso visual pouco instigante, em que não são levadas em consideração as simbologias e o lirismo que poderia emergir da exposição autoindulgente das deteriorações morais e sentimentais. Os desempenhos dos atores não ajudam no desenho da naturalidade, algo que passa aparentemente despercebido pela direção, então, uma força omissa em departamentos essenciais. A falta de vida observada em boa parte das respostas de Daniel, encarregado de questionar o escritor que expressa a maior parte dos dilemas do filme, compromete decisivamente a estrutura narrativa, deixando-nos à mercê de um resultado basicamente moroso.
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