Sinopse
Tina é uma policial que trabalha no porto fiscalizando bagagens e passageiros. Depois de ser atingida por um raio na infância, ela desenvolveu uma espécie de sexto sentido, fazendo com que seja capaz de “ler as pessoas” apenas pelo olhar. Isso sempre representou uma vantagem na sua profissão, mas tudo muda quando identifica um criminoso em potencial e não consegue achar provas para justificar sua intuição. Após o episódio, passa a questionar seu dom, ao mesmo tempo em que fica obcecada em descobrir qual o verdadeiro segredo de Vore, seu único suspeito não legitimado.
Crítica
Indicado ao Oscar 2019 de Melhor Maquiagem e Cabelos, o sueco Border possui momentos distintos. No primeiro, o de apresentação, Tina (Eva Melander) se destaca pela aparência singular, vide os traços abrutalhados. Seu comportamento é discreto, provavelmente um dos muitos mecanismos para não chamar mais atenção. Ela trabalha no porto fiscalizando bagagens e seus respectivos donos, aproveitando-se de um dom especial para farejar sentimentos como o medo e a culpa. Atribui isso ao fato de ter sido atingida por um raio na infância. O cineasta Ali Abbasi não demonstra a inadequação da protagonista pelos olhos alheios, ou seja, apresenta poucas ocasiões em que ela sofre algum tipo de ofensa por ser fisicamente sui generis. É justamente a conduta ensimesmada e serena dela que denuncia o desencaixe social. As coisas mudam drasticamente quando surge em cena Vore (Eero Milonoff), de feições e modos semelhantes.
Border chama atenção, inicialmente, pela caracterização de Tina. A maquiagem atribui ao seu semblante a excepcionalidade que lhe destaca no horizonte. Detalhes como a tensão dos cachorros, a dificuldade que ela sente ao se aproximar do marido folgado com quem divide o teto e a capacidade de pressentir tragédias e compreender cenários sem indícios claros aos demais são lançados paulatinamente a fim de intuirmos que há algo importante a ser brevemente explorado. De maneira ligeiramente contraproducente, essa fase preliminar é esticada sem variações tão consistentes, o que gera uma sensação de falta de perspectivas para a trama que, assim, evolui durante um bom tempo sem pontos determinantes e/ou marcantes. Isso muda bastante quando é constatada a real natureza da mulher que auxilia, também, a polícia a antever casos intrincados com seu olfato espetacular. Dali em diante, sobressai um processo de descoberta atribulado por várias dúvidas.
Filiando-se efetivamente à fantasia num segundo instante, Border oferece a possibilidade de leituras metafóricas. Isso, especialmente no que tange à discrepância significativa entre a espécie mitológica de Tina e o conjunto de regras/morais que a regem enquanto humana de criação e direito. Rapidamente, da fase de entusiasmo, da felicidade diante da ligação íntima com o meio ambiente e de, finalmente, não se sentir uma aberração, ela entra em parafuso exatamente por conta da fricção entre a essência e a construção social, um conflito inerente à revelação que a reconfigura. Evitando pesar demasiadamente a mão nessa ebulição interna, Ali Abbasi acaba deixando as coisas transcorrerem um tanto mornamente, sem que o supracitado embate atinja um ponto de fervura marcante. Entretanto, o ótimo desempenho do elenco, somado à forma como o realizador articula os elementos fantásticos, gera um resultado, ainda assim, curioso e bonito o suficiente. A questão da maternidade também é trazida à baila, porém instrumentalizada apenas como coadjuvante.
Border subaproveita os dualismos, talvez por deliberadamente almejar a fronteira. O longa permanece entre o real predominante e a esfera fantasiosa, oscilando nem sempre habilmente entre as dimensões comezinha e extraordinária, logrando mais êxito ao encará-las diegeticamente imiscuídas, não necessariamente como excludentes ou antagônicas. Embora soterrada sob uma pesada maquiagem, Eva Melander confere à protagonista a fragilidade que, igualmente, contrasta com a ferocidade das feições peculiares à espécie dela. Assim, fundamentado em diversas oposições reinantes num personagem e/ou mesmo na própria estrutura narrativa, a produção não expande a mitologia que sustenta o descobrimento da realidade e, por conseguinte, a segunda metade do filme, mas é capaz de tornar cativante a trajetória tumultuada de Tina. Ela nem bem se restabelece, agora ciente de tudo, num entorno igualmente hostil, e já entende ainda lidar com o fardo de não pertencer, seja como for.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Francisco Carbone | 8 |
Rodrigo de Oliveira | 7 |
Gabriel Pazini | 9 |
Chico Fireman | 6 |
MÉDIA | 7.2 |
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