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Sinopse

Iremar destoa do cenário das Vaquejadas no qual trabalha por acalentar o sonho de se tornar um estilista de moda.

Crítica

Iremar (Juliano Cazarré) trabalha nos bastidores da vaquejada, preparando os bois que entram na arena para serem derrubados pelos peões. Seu cotidiano é a lida com os animais, o cheiro de estrume e as viagens constantes. Contrastando com essa atividade, a vontade de ser estilista, de transformar em roupa os desenhos feitos. A cena em que ele se desloca num lamaçal, catando retalhos de tecido e pedaços de manequins, é muito bonita visualmente. Boi Neon é um filme cujo fundamento está nas entrelinhas, nas frestas e na expressividade da imagem. Convivendo com os colegas de estrada e de labuta, entre eles uma mãe e sua filha, respectivamente interpretadas por Maeve Jinkings e Alyne Santana, o protagonista não demonstra sufocamento diante da impossibilidade momentânea de viver do que gosta, preterindo a frustração em prol do sonho.

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Completamente aclimatado ao mundo rural e, a priori, essencialmente rústico, Iremar não se furta a fazer o que gosta, a despeito até mesmo das chacotas e do preconceito que isso possa gerar. Aliás, o diretor Gabriel Mascaro evita essa facilidade de mostrar a trajetória do personagem de Cazarré como marcada pela intolerância e os olhares viciados em estereótipos. Uma que outra brincadeira é feita, mas respeitosa e carinhosamente pelos amigos próximos que tiram sarro do homem, nas palavras deles, “que fede a merda o dia todo”, mas à noite cria em frente à sua máquina de costura. Naquela rotina braçal, inevitável reproduzir os mesmos procedimentos de sempre. Costurar é, então, a forma com que Iremar externa a criatividade, afastando-se, assim, do ramerrão. Mascaro demonstra isso por meio da interação diária com os bois, ressaltando seu caráter mecânico e fastidioso, ainda que isso não gere angústia.

A menina Cacá, queixosa da falta de uma figura paterna e sempre às turras com a mãe cuja beleza abranda a paisagem essencialmente masculina e bronca, se apega à Iremar. Mesmo que os afetos apareçam em Boi Neon, é mais clara a dificuldade de qualquer relação profunda se estabelecer naquele entorno petrificado pela brutalidade do dia a dia. A metáfora dos bois e dos cavalos, sendo os primeiros extremamente úteis em virtude da quantidade de produtos que geram, e os segundos, de acordo com o personagem de Cazarré, só servindo por serem bonitos, se reporta à dicotomia essencial à constituição do protagonista. Despudores como um banho coletivo e a depilação de Galega na boleia do caminhão, evidenciam uma tensão sexual que paira no ar e que culmina nas tórridas cenas de transa.

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Lacunar, sem a pretensão de dissecar seus personagens ou mesmo o meio que os circunda, o filme se atém a pequenos fragmentos que, somados como peças de um quebra-cabeça, nos dão uma ideia de quem são as pessoas e suas aspirações. As intervenções quase surreais do show da mulher sensual com máscara de cavalo adicionam um pouco de estranheza ao registro que, no mais das vezes, se pretende seco e próximo do cotidiano. A plasticidade da imagem nunca se rende ao esteticismo puro e simples, apresentando-se como um dos grandes responsáveis pelo êxito do filme de Mascaro. O outro, sem dúvida, é o desempenho do elenco encabeçado por Juliano Cazarré e enriquecido pela coadjuvância de Maeve Jinkings, entre demais destaques, como a revelação Alyne Santana. Boi Neon mostra a resistência da sensibilidade mesmo quando tudo favorece o embrutecimento.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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