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Sinopse

Mina descobre que seu marido Babak era inocente do crime pelo qual foi executado. Essa informação vira sua vida de cabeça para baixo. As autoridades pedem desculpas e lhe oferecem uma compensação financeira. Mas, por ela e sua filha, Mina inicia uma batalha árdua contra um sistema cínico.

Crítica

Entre tantos problemas enfrentados pelo Brasil atualmente, felizmente a pena de morte não é um deles. No Irã, em contrapartida, o tema tem ocupado os maiores e mais premiados filmes do país: em 2020, o vencedor do Festival de Berlim foi Não Há Mal Algum, mosaico sobre o impacto da pena de morte em todos os segmentos da sociedade. Em 2021, O Perdão persiste neste caminho através da história de Mina (Maryam Moghaddam), mulher que descobre a inocência do marido após ser executado pelo Estado. O que fazer, neste caso? Os juízes lhe entregam uma soma considerável de dinheiro, pedem desculpas protocolares e afirmam que, se a morte ocorreu, “Deus o quis assim”. Os arranjos do poder público com a religião se tornam patentes nesta jornada de uma mulher injustiçada contra o sistema. No entanto, ao invés de enfrentar sozinha a Suprema Corte e converter seu caso numa história inspiradora (isto não é Hollywood), ela sofre sozinha, cuidando da filha surda e aceitando a ajuda generosa de um anônimo que aparece em sua vida. Contra os contestadores da sentença capital, os juízes argumentam: “A pena de morte é uma vontade de Deus”. Assunto encerrado.

Astuciosamente, o drama parte do dilema de Mina para efetuar um retrato mais amplo da sociedade iraniana contemporânea. A morte do marido Babak traz complicações à heroína: enquanto mulher “solteira” (os vizinhos sequer a consideram viúva), ela deve ser vigiada, inspecionada quanto aos homens com quem conversa e posta em dúvida sobre a capacidade de criar sozinha uma criança, podendo inclusive perder a guarda de Bita. A partir da execução, a operária numa fábrica de leite carrega um estigma negativo, pouco importa o que faça: ela é considerada “vadia” quando conversa com algum homem, porém irresponsável se permanece solteira. Mina é vista como mal-agradecida se rejeita a intrusão violenta do pai e irmão em sua vida, porém fraca e dependente se o faz. Na escola da filha, as crianças comentam sobre a situação do falecido pai. O roteiro entrelaça estas possibilidades de maneira orgânica: os diálogos evitam lições de moral e mensagens panfletárias a respeito do machismo. Na primeira metade, em especial, seguimos um drama de personagens embrutecido, do tipo que oculta em elipse o dia da morte e reserva a um único plano fixo a conversa com juízes a respeito da inocência de Babak.

Esta economia narrativa acompanha uma construção muito eficaz das imagens. Há pouquíssimos movimentos de câmera: os cineastas Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha optam por planos fixos, bem pensados para trabalhar com diferentes profundidades da imagem. Por exemplo, uma câmera posicionada nas escadas do primeiro andar de um prédio permite captar os vizinhos descendo, um carro chegando na rua, a protagonista descendo, entrando no prédio e conversando no saguão com a proprietária de seu apartamento. Para evitar movimentações e cortes excessivos, a dupla privilegia conversas onde um dos personagens se encontra fora de quadro, além de diálogos em que Mina e Reza (Alireza Sanifar) se encontram lado a lado, entrecortados por uma banca de jornal ou pelas paredes da casa. Cada imagem está repleta de quadros-dentro-do-quadro, utilizados para ações distintas, seja simultâneas ou consecutivas. O recurso serve tanto para representar as expressões de Mina (sem sublinhá-las em close-up) quanto para valorizar os espaços da casa, fundamentais à solidão da heroína. O Perdão manifesta uma sobriedade notável em se tratando de tema tão polêmico.

No entanto, chegada à segunda metade, com a participação maior de Reza na vida das mulheres, o discurso abraça o sentimentalismo. Este homem, o juiz que decretou a morte de Babak, disfarça-se de amigo generoso do falecido para cuidar da viúva e expiar parte de sua culpa pela decisão incorreta. Assim como em Não Há Mal Algum, é fundamental aos autores ressaltar que o impacto da pena de morte vai muito além dos familiares diretamente envolvidos. Entretanto, para sublinhar este aspecto, o texto multiplica as cenas de choro, introduz novas catástrofes (um despejo, uma morte por overdose, uma demissão) e observa a ruína exemplar de ambos os personagens. A equivalência entre as dores (a montagem paralela insiste que Reza e Mina sofrem em igual medida) resulta numa abordagem contestável, enquanto a perspectiva de um romance entre ambos enfraquece a discussão política para mergulhar no estado emocional: a tristeza da protagonista não pode ser reparada com dinheiro, porém se sacia com a chegada de outro homem provedor em sua casa? Embora se afaste dessa sugestão nos instantes finais, o projeto a sustenta durante tempo excessivo.

Apesar das considerações éticas e morais, o drama proporciona uma experiência eficaz tanto em dilemas jurídicos quanto em expurgo emocional. Moghaddam efetua belo trabalho de composição para Mina, especialmente na primeira parte, quando o texto lhe permite mais ambiguidades, antes de passar à figura clássica de mártir. Alireza Sanifar apresenta tamanha fragilidade e entrega que também desperta atenção – quantos homens, no filme iraniano recente, se permitiriam participar de cenas como o choro no apartamento? As cenas-chave demonstram uma reflexão precisa quanto às escolhas imagéticas (vide o movimento panorâmico durante o clímax, se afastando do rosto de Mina primeira vez), enquanto pequenos símbolos plantados ao longo da trama são carregados de um afeto palpável: a leitura de livros pelo “Tio” com a filha de Mina, a aceitação do cachorro dentro de casa, o acolhimento no hospital. Apesar de uma canção com letras explícitas demais (“Quem é esse desconhecido? / O que ele quer de mim?”), o projeto se torna sóbrio, sisudo, tão dedicado ao aspecto humano que abre mão da ambição de originalidade. O Perdão impressiona mais pelo roteiro e pelas atuações do que pela construção estética.

Filme visto online no 71º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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