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Sinopse

Brilhante analista de dados, mas antissocial, Atlas desconfia profundamente das inteligências artificiais. No entanto, se junta à missão de capturar um robô misterioso com o qual divide parte do passado.

Crítica

O papel da arte não é satisfazer as expectativas do olhar que a contempla. No entanto, há algum tempo os filmes e as séries, especialmente produções que almejam alcançar audiência massiva, operam desde as etapas de desenvolvimento a partir de uma imperativa premissa de mercado: é preciso deixar o consumidor satisfeito. Pensando nisso, cresce de modo preocupante o papel da lógica algorítmica dentro da criação audiovisual, dos parâmetros matemáticos ditando em que momento das tramas é preciso ter uma virada, quando o(a) protagonista deve dizer algo para continuar engajando as plateias cada vez mais dispersas, e por aí vai. A curto prazo corremos o risco de cair num lamaçal de lugares-comuns mecanicamente reproduzidos, da perda da noção de identidade criadora. Atlas, a mais nova tentativa de Jennifer Lopez de se firmar como líder de uma superprodução para streaming – depois do igualmente malsucedido A Mãe (2023) –, parece ter sido todo escrito por um protocolo de inteligência artificial que aprendeu os cânones da ficção científica e dos filmes de aventura e os reciclou numa jornada com retrogosto azedo de “já vi esse filme milhares de vezes, aliás muito melhor”. A protagonista é Atlas (Lopez), analista antissocial que vive num mundo futurista onde a cibernética evoluiu ao ponto de as IA se tornarem perigosas. Filha da brilhante cientista que criou o protótipo robótico considerado uma ameaça global, o fugitivo Harlan (Simu Liu), ela ganha a oportunidade de caçar o “irmão” postiço.

O elenco de Atlas é recheado de talentos, como os de Sterling K. Brown e Mark Strong, além dos citados no primeiro parágrafo deste texto. No entanto, o diretor Brad Peyton aproveita mal essa qualidade humana à sua disposição, pois asfixia a capacidade expressiva de seus atores e atrizes ao confina-los em arquétipos hermeticamente fechados, em lógicas que tornam os personagens pouquíssimo singulares. Simu Liu é um vilão clássico, o emissário desse futuro que poderia ser brilhante, mas que está prestes a se tornar uma distopia em virtude da compreensão da raça humana como o grande vírus da Terra – Thanos, do Universo Marvel, parte do mesmo princípio, e já não era novidade. Sterling K. Brown é o líder militar da missão que consiste em explorar o planeta hostil/inóspito onde a principal ameaça elabora seu plano genocida. Mark Strong é praticamente um figurante na pele do típico mandachuva do exército encarregado de escolhas difíceis. E Jennifer Lopez fica num meio termo entre a heroína de ação e a mulher torturada pela culpa, aliás, cuja revelação não provoca o impacto emocional desejado. Se em outras produções J-Lo já provou seus predicados como atriz, aqui ela se restringe (ou é restrita) a discutir com uma máquina que pretende ajudá-la a derrotar seu arqui-inimigo e nadar de braçada num poço raso de autocomiseração. É tudo tão artificial e estereotipado que o resultado nem serve para divertir.

Há rumores de que Atlas tenha custado em torno de US$ 100 milhões, valor considerável para produções hollywoodianas, astronômico se aplicado à lógica de outras cinematografias. Mas, porque mencionar o orçamento num texto crítico? Porque esse investimento não se traduz em valor de produção, vide os efeitos especiais de péssima qualidade e a insistência na dinâmica enfadonha feita de diálogos intermináveis entre Atlas e sua inteligência artificial amigável, Smith (voz de Gregory James Cohan). A maioria das cenas que dependem dos efeitos digitais é um amontoado de movimentos mal articulados, uma bagunça visual que não tem como princípio narrativo a desestabilização do espectador em busca de efeitos dramáticos. Na verdade, trata-se, evidentemente, de uma maneira de disfarçar a precariedade desses cenários criados em pós-produção, como na sequência – que deveria ser empolgante, mas não é – da chegada dos humanos a bordo de seus robôs estilo mechas no tal planeta caracterizado por tempestades magnéticas e terremotos. Essa frustração dos planos de uma aproximação tática acontece burocraticamente, sem que o realizador consiga enfatizar a sensação de perigo urgente em meio a tantos elementos cênicos mal organizados dentro dos planos gerados por computador. E esse tipo de sabotagem dramática acontece durante todo o filme que segue progredindo de arrasto.

As conversas intermináveis de Atlas e Smith formam outro ponto de denúncia da pobreza visual (e de ideias) dessa superprodução Netflix aparentemente gerada por parâmetros conhecedores dos anseios do espectador. Em vez de elaborar minuciosamente a tentativa da máquina de conquistar a confiança da desconfiada Atlas, revelando nisso implicações psicológicas e emocionais, Brad Peyton prefere a dinâmica cansativa da tradução de sentimentos. Os diálogos entre Atlas e Smith são de uma pobreza atroz, especialmente porque se baseiam em pequenos inquéritos que servem como desculpa para a humana externar tudo o que até então pretendia manter no seu mais profundo íntimo. Smith vai decodificando a sua parceira de ocasião e manifestando diagnósticos, oferecendo reiteradamente ao espectador um manual tolo para compreender de modo inequívoco uma personagem que chega a reivindicar a supremacia da humanidade complexa sobre a racionalidade fria e pré-programada da máquina. E essas cenas extensas das palestras sobre Atlas ajudam o cineasta a não precisar abrir o foco da câmera, logo evitando a investigação do planeta e, por conseguinte, a exposição dos elementos de produção precários. O roteiro assinado por Leo Sardarian e Aron Eli Coleite segue essa toada burocrática da direção de Peyton, assim parecendo fruto de diretrizes algorítmicas frias e bem esterilizantes.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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