Crítica


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Sinopse

Pessoas vagueiam ao pé de uma cordilheira coberta de nuvens. Nesta ampla paisagem, todos querem se balançar, enquanto a Lua os observa, tão presente quanto ausente.

Crítica

Qual a influência da lua, o único satélite natural da Terra, sobre o comportamento dos homens? Munida dessa pergunta, a diretora libanesa Sarah Francis decide mergulhar da forma mais hermética possível na construção de Assim Como Acima, Abaixo, seu primeiro longa após a estreia com o aclamado Pássaros de Setembro (2013). Se em seu trabalho anterior direcionava sua câmera pelas ruas de Beirute, sua cidade natal, através de uma exploração de endereços que lhes eram conhecidos por meio de um outro ponto de vista, dessa vez se ocupa em recolher discursos e interpretações sobre um lugar que muitos possuem algo a ser dito, porém mais pelas impressões ou influências que tal corpo celeste imprime naqueles que por ela se encantam do que por registros próprios e experiências pessoais. O resultado, como não poderia ser diferente, é tão estranho e indiferente que soa quase irrelevante, se não distante de qualquer possibilidade de uma leitura mais apaixonada.

So Above, So Below, o título original em inglês, faz referência a tudo que está muito acima de todos, tão inalcançável quanto estaria caso estivesse em sentido contrário. Ou seja, tanto faz onde se encontra, se no espaço ou nas profundezas, em ambos os casos aos seres humanos resta apenas imaginar tudo o que poderia realizar caso fosse viabilizado algum tipo qualquer de aproximação. É fato que o homem já caminhou pela Lua – por mais que muitos insistam em desacreditar dessa evidência – mas os que tal feito impetraram são em número tão ínfimo, perto de todos os demais que, daqui de baixo, a encaram com curiosidade e admiração, que é quase como se o fato nunca tivesse ocorrido. Não há concretude que possa ser compartilhada. O mistério continua, e aos infortunados a prática da fantasia e da criatividade continua ditando as regras a serem percorridas.

Para a direita ou para a esquerda, para frente ou para trás: não importa a direção escolhida, uma vez na Terra, a distância da Lua permanece a mesma. Basta olhar para cima, seja num dia sem nuvens ou numa noite mais estrelada, que lá estará ela, talvez esmaecida, ou reluzente do brilho emanado pelo Sol, nosso astro maior. De uma forma ou de outra, ela irá se manifestar. Os caminhos a serem trilhados a partir dessa constatação são inúmeros. Francis, no entanto, opta por um exercício mais singelo, humilde em suas intenções, mas limitador enquanto resultado. Não mais do que uma dezena de personagens se veem perdidos em um campo cujo horizonte parece tão longe quanto chegar na mesma Lua que a tudo vê, mas pouco se importa. Esses em cena nada dizem, pouco se expressam, agindo como marionetes frente a um ser mais poderoso e abrangente. Se a intenção era a analogia óbvia, a reflexão é tão pífia quanto desgastada.

A única possibilidade que lhes cabe, uma vez vistos nessa ausência total de cenários e recursos, é o balanço que tanto aproxima quanto afasta. O movimento é constante, sem que nunca se saia do mesmo lugar de partida. Sarah Francis parte de um brinquedo infantil para compor uma imagem de fácil identificação, mas também redundante em seu significado. A Lua desaparece toda manhã, e não há um único ser em todo o planeta que duvide que, naquele mesmo dia, assim que anoitecer, mais uma vez ela estará lá em cima, no seu lugar de antes. Essa constância, ao invés de reconfortante e tranquilizadora, pode ser enervante e incômoda, pois perturba pela imutabilidade de sua rota e destino. Se ao homem nada lhe compete fazer, qual não será o tamanho da sua insignificância diante de todo o infinito?

Há muito a ser investigado, questionado, vislumbrado. Em Assim Como Acima, Abaixo, no entanto, essa gama de possibilidades são continuamente ignoradas, substituídas por um jogo pueril, quase infantil em sua composição, de fraco alcance e escasso efeito. Sua estrutura, que busca dificultar o acesso, uma vez perpetrada se revela frágil, delicada e inconstante. Da poesia que busca se justificar pelo nome do autor supostamente importante ao discurso político repleto de promessas vazias, passando por histórias curiosas que exploram tanto o fascínio quanto a incompreensão, a Lua segue presente, tão inalcançável quanto insubstituível. E assim a jornada se completa, retornando ao ponto de partida, mostrando-se tão válida quanto os esforços que motiva, cheios de esperanças, mas vazios em suas conquistas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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