Crítica


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Sinopse

Um grupo de mercenários sequestra um trem que faz o percurso entre Londres e Paris. O que eles não esperavam é que entre os passageiros estivesse um agente das forças especiais disposto a agir para impedir o crime.

Crítica

Existem “muitos filmes” disputando a atenção do espectador dentro do fraquíssimo Ascensão do Cisne Negro. O primeiro deles é feito da rixa entre os herdeiros da organização paramilitar que presta serviços escusos ao governo britânico. O patriarca William Lewis (Tom Wilkinson) desconsidera o filho ciumento Oliver (Owain Yeoman), pois prefere como sucessora a filha Grace (Ruby Rose). Essa competição interna marcada por rivalidades e mágoas se transforma rapidamente numa mera treta de rodapé, sem importância maior para o desenvolvimento do filme. Isso, porque o cineasta Magnus Martens não vai além de mostrar dela meia dúzias de olhares enviesados e caras feias, sobretudo quando a hierarquia se impõe – tudo de modo bem burocrático, diga-se de passagem. O segundo “filme dentro do filme” diz respeito ao comportamento perverso (para dizer o mínimo) do Estado britânico. O premier inglês contrata os mercenários (a familícia) para executar uma missão humanamente condenável: executar uma vila na Geórgia para abrir caminho à empresa estatal de gás. Da mesma forma que a concorrência interna dos Lewis, essa crítica sócio-política está longe de ser contundente e ácida. Ela serve apenas para opor as ranhuras da coletividade comprometida e o valor/bravura do indivíduo.

Esse individualismo é personificado por Tom (Sam Heughan), membro da unidade tática do exército. Ele está prestes a propor casamento à sua noiva médica, Sophie (Hannah John-Kamen). No fim das contas, o sujeito não é tão distante daqueles que conhecemos como “o exército de um homem só” – tipo Rambo, Braddock, etc. Enquanto a trama avança sem muita intensidade dramática, o que fica constantemente implícito é a suposta superioridade do homem capaz de cumprir missões quase impossíveis. Para Tom não importa o preço a ser pago. O militar é mais eficiente do que as estruturas grupais, tais como governo, exército ou mesmo à (fa)milícia chefiada pela personagem caricatural de Ruby Rose. Ascensão do Cisne Negro nem chega a tentar disfarçar que, no fim das contas, o mais relevante é convencer a noiva reticente de que matar é inevitável para supostamente “fazer o bem”. Parece tosco, e é. Toda a pirotecnia envolvendo o plano maléfico, que tem seu clímax num túnel entre o Reino Unido e a França, não passa de uma desculpa bem esfarrapada para resolver um dilema amoroso tão mal elaborado quanto o resto. A estratégia não é em si um problema, pois existem inúmeros filmes ótimos que utilizam habilmente subtextos comuns (crises familiares, de relacionamento ou existenciais) como motores da ação dentro de conjunturas espetaculares. Aqui a falha é a execução frouxa.

Mesmo um ator tarimbado como Tom Wilkinson – um dos grandes intérpretes de sua geração – é limitado pela construção dramática que tende a simplificar tudo. Ele poderia ser visto como uma espécie de Rei Lear contemporâneo, chefão que precisa lidar com a disputa dos herdeiros pelo “trono”. No entanto, o roteiro o restringe a ser um distribuidor de “pílulas de sabedoria” (?) que mantém a calma (artificialmente) até na iminência de ser assassinado. Ruby Rose, por sua vez, parece determinada a se transformar numa heroína de ação metabolizada por uma masculinização enviesada. Ela somente pode ser alguém de comando, letal como nenhum homem por ali, se mimetizar trejeitos comumente associados aos brutamontes cheios de testosterona? A atriz não tem espaço de manobra nesse papel simplório da vilã estereotipada. Já Sam Heughan bem que tenta ser o típico herói de ação, aquele que sempre tem cartas na manga para neutralizar bandidos. Mesmo quando o túnel está repleto de outros militares tentando rechaçar o ataque dos Cisnes Negros, a ação é orientada para valorizar as suas façanhas solo. É constantemente reforçada a noção velada de que ele (homem que relativiza sentimentos e afins) excede em relevância os demais. Já as transições entre tantas perspectivas são feitas de modo quadrado, sem que, por exemplo, a traição do amigo repercuta emocionalmente.

Ascensão do Cisne Negro tem personagens esvaziados, desenvolve mal as várias subtramas (não sendo capaz de relaciona-las para além do básico) e ainda apresenta alguns instantes que beiram o constrangedor. Depois de sugerir (muito mal, displicentemente) que há obstáculos entre o humanismo da noiva e o pragmatismo militar do noivo, tudo converge para que ela literalmente dê a ele a autorização para ser quem é: um assassino frio e calculista. Próximo do clímax, o cineasta Magnus Martens tira da cartola uma tentativa malfadada de espelhar mocinho e vilã, acenando à possibilidade de ambos terem um distúrbio mental grave. Resgatando o início, especificamente o discurso do personagem Tom Wilkinson sobre a raridade dos psicopatas capazes de amar, essa aproximação até ensaia ter algum sentido. Porém, como a semelhança não é sublinhada ao longo da trama (nem mesmo de forma estabanada), a aproximação acaba soando excessivamente forçada. Então, o elo entre bem e mal não se consolida. Antes o cineasta enveredasse pelo caminho da caricatura militarista projetada em panos de fundo propositalmente irrisórios. Porém, o resultado é repleto de gratuidades (qual a importância de o protagonista ter sangue nobre? Para que serve a traição? Andy Serkis de novo como mercenário?), que sequer utiliza sua veia prolixa para desenvolver melhor os personagens ocos do enredo oco.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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