Crítica
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Sinopse
Rossana vivencia o mundo através de uma membrana borderline. Os movimentos da dança a ajudam a resistir aos duros golpes da realidade, isso enquanto ela tenta se encontrar.
Crítica
Discutir saúde mental se tornou algo constante na nossa sociedade e no cinema contemporâneo. Ainda bem que se tem falado mais abertamente sobre isso no âmbito coletivo, sem tantos dogmas ou estigmas, embora ainda haja muita ignorância a ser dissipada para chegarmos ao ideal. As Vezes que Não Estou Lá começa com a projeção de uma crise de ansiedade. Rossana (Dandara de Morais, também a diretora do curta) sente-se bastante desconfortável enquanto dança balé clássico, imediatamente entrando numa espécie de parafuso. O roteiro nos apresenta adiante o espaço físico e simbólico da dança tradicional como avesso a aspectos da singularidade dessa protagonista que deambula por entornos instigantes ao contato, mesmo nas vezes em que seu estado de ânimo não parece adequado e/ou preparado para isso. Quando o professor insinua cortar o cabelo da hábil bailarina negra, dando uma desculpa técnica imediatamente refutada, ali está posta a afronta de cunho racial. Tanto que o filme autocensura a palavra “racismo” com um propósito cáustico bem definido.
Em vários momentos, textos na tela dão conta de informar estatísticas sobre a propensão dos jovens negros a desenvolver algum distúrbio de ordem mental, justamente por conta da discriminação à qual são submetidos. Embora seja um curta de alcance e potência desigual, que geralmente seja instigante, mas constantemente ofereça uma reiteração improdutiva, As Vezes que Não Estou Lá carrega com muita clareza uma mensagem de alerta. Como criadora, Dandara aponta diretamente ao ambiente predominantemente branco como propício a engatilhar suas exasperações. Quando a protagonista está numa festa, cercada de amigos, também não demonstra estar integralmente bem, chegando a recostar-se afastada, num aparente estado de desânimo. Porém, a realizadora não expande a noção psíquica da personagem para fora da lógica do racismo que ela debate como um gatilho essencial. Assim, soa que somente o preconceito é responsável por angustia-la.
Há instantes bonitos em As Vezes que Não Estou Lá que prescindem da palavra. Neles, Dandara se expressa não verbalmente, mas por meio do corpo em movimento, seja em episódios cotidianos, como o pós-sexo um tanto desinteressado ou nas execuções de coreografias. A vontade de explicar, de ser didática quanto a causas e efeitos, retira um pouco da potência do conjunto, mas não minimiza a força dramática de passagens significativas por seu teor contundente. A cena com um prescritor de pílulas para controlar farmacologicamente o turbilhão de sentimentos avassaladores é bem desenhada como escape agridoce de tons deliberadamente exagerados. Já a com a psicóloga (terapeuta de outra natureza?) não é tão boa, sobretudo pela rigidez da encenação, com as personagens isoladas nos quadros não aparentando tanta naturalidade. São pequenos contratempos que não permitem ao filme voos maiores, ainda que não invalidem sua manifestação.
Dandara dedica o curta aos que a viram em momentos excelentes e noutros não tão positivos. Isso corrobora a pessoalidade evidenciada no andamento de As Vezes que Não Estou Lá. O cinema surge como um mecanismo de elaboração e talvez de expurgo da condição adversa de sua criadora. Pena que ela restrinja essa análise da condição mental da personagem à questão racial, intenção confirmada pelo bem estar apresentado na parte final, quando longe das amarras da dança conservadora e entregue aos impulsos que melhor lhe projetam ao outro e a si. Na companhia de corpos diversos, de colegas que não censuram cabelos e identidades, ela provavelmente consegue existir melhor. Ainda que seja compreensível o fechamento do foco nessa questão do preconceito, sobretudo para enfatizá-la como brutal, o retrato ganharia nuances se a realizadora abrisse ligeiramente o escopo para mostrar a complexidade desse estado mental perturbado também pela atualidade.
Filme assistido online no 14º Cine Esquema Novo, em abril de 2021.
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