Crítica


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Sinopse

Xerazade está ficando chateada por ter de entreter diariamente o rei. O Grão-Vizir, seu pai, começa a temer pelo destino da filha. Ela peregrina enquanto testemunha um mundo em transformação.

Crítica

A bela Xerazade (Crista Alfaiate) está ficando cansada de entreter, noite após noite, o venturoso rei, a fim de aplacar sua ira sanguinária. Olhando melancolicamente o mar, enquanto os súditos fazem-na reverências, decide perambular pelo reino para conhecer um pouco aquilo que ignoraria se encerrada apenas na própria imaginação. As Mil e Uma Noites: Volume 3, O Encantado é, da trilogia em que Miguel Gomes se propõe a comentar criticamente a situação sociopolítica de Portugal, para isso fazendo uso da estrutura dos famosos relatos orientais, o que mais dá atenção à contadora de histórias e seus dramas. Também, neste ponto algo a ser lamentado, é o que menos consegue imbricar fábula e realidade, justamente por polarizá-las e, mais adiante, criar uma ponte frágil com base nos letreiros que comentam os enredos. A liberdade que o cineasta se permite faz de Bagdá um arquipélago, espaço essencialmente lúdico cercado de água por todos os lados.

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O Grão-Vizir (Américo Silva) lastima o destino trágico da filha, a necessidade que ela tem de divertir um monarca cada vez mais entediado. Depois de nadar nua ao som de Secos de Molhados, Xerazade encontra Paddleman (Carloto Cotta), um procriador que já tem mais de duzentos filhos. Adiante, ela será alvo também da paixão de um ladrão, cuja residência é decorada com capas de discos dele mesmo. As andanças pela Bagdá estilizada de Miguel Gomes fazem Xerazade se deparar com toda sorte de gente, inclusive alguns imigrantes portugueses. Novamente a música brasileira, desta vez Samba da Minha Terra, dos Novos Baianos, surge para dar tempero tupiniquim à narrativa, deflagrando uma interessante polifonia. Brasil, Portugal e Oriente Médio, mistura insólita que enriquece o fabulário de As Mil e Uma Noites: Volume 3, O Encantado, expressando uma vontade de abarcar diversas culturas que se influenciam. A simbólica saudade da Bahia, condição expressa pelos dizeres, unifica essa gente que canta e dança.

Perguntada por uma criança sobre o outro lado do mundo, Xerazade menciona distâncias inimagináveis, o que nos leva ao deslocamento temporal e espacial, cujo destino é o Portugal dos dias de hoje, onde começa o conto O Inebriante Canto dos Tentilhões. Tais aves foram um dos objetos de estudo primordiais a Charles Darwin para a formulação da teoria da evolução das espécies. Os protagonistas desse fragmento são os passarinheiros, homens dedicados à criação dos tentilhões com vista a apreciar seu canto, seja rotineiramente ou em concursos. Presos nas gaiolas, os animais são como Xarezade, valem apenas o quanto pesam em entretenimento aos donos. Contudo, infelizmente, não há uma relação sólida entre os rituais de captura e criação, ou seja, do cotidiano dos passarinheiros, e as críticas à austeridade do governo português no trato com a população.

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Floresta Quente, o outro dos contos, se resume a uma breve narração ficcional sobreposta a imagens de movimentos sociais. As Mil e Uma Noites: Volume 3, O Encantado apoia-se demasiado nos letreiros que substituem a voz de Xerazade e, assim, se responsabilizam pelo andamento das tramas. Aqui, a inventividade de Miguel Gomes é enfraquecida pela sensação de repetição. A interação entre os tentilhões e seus respectivos donos é vista, geralmente, em tom documental, com a palavra impressa na tela tentando lhe dar ares de metáfora, ou seja, ambicionando expandir os sentidos para além do que se vê. Mesmo evidentemente aquém de seus antecessores, este filme tem momentos - sobretudo na Bagdá idílica – que fazem jus ao conjunto, uma trinca que deflagra a criatividade de um realizador descontente com o banal e corajoso o suficiente para assumir riscos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Alysson Oliveira
9
MÉDIA
7.5

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