Crítica
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Sinopse
Mace é uma agente da CIA que tem de fazer alguma coisa quando uma arma ultrassecreta acaba caindo nas mãos de malfeitores. Ela terá de juntar uma equipe de arromba para deter a ameaça que pode ter proporções globais.
Crítica
Não tem tanto tempo que o terreno das produções do tipo “tiro, porrada e bomba” deixou de ser quase uma exclusividade masculina. De uns anos para cá houve uma enxurrada de protagonistas femininas que partem à ação sem precisar de suportes/salvadores transbordantes de testosterona. As Agentes 355 provavelmente seria um blockbuster encabeçado por vários homens conhecidos de Hollywood caso fosse realizado há, digamos, cerca de 20 anos. Algo nos moldes da saga Onze Homens e um Segredo. Portanto, o que chama a atenção inicialmente é a tentativa de quebra do modelo vigente durante décadas a fio, sobretudo no cinemão estadunidense. A protagonista é Mace (Jessica Chastain), agente da CIA designada a recuperar um artefato tecnológico que pode mudar drasticamente o mundo. Mace é forte, perigosa, independente e não cede aos encantos do melhor amigo/parceiro, Nick (Sebastian Stan), evidentemente apaixonado por ela. Aliás, os dois são vistos discutindo os termos do disfarce como um casal em lua-de-mel, antes de irem à missão. E o elemento da discórdia é o anel do matrimônio, o símbolo do comprometimento. O diretor (e um dos roteiristas) Simon Kinberg perde a oportunidade de discutir a instituição “casamento” a partir da nova perspectiva de mundo que contesta os valores das sociedades antes criadas em torno da lógica patriarcal. O filme carrega um conflito básico: se assumir uma vertiginosa ação com pitadas de complexidades sociais ou formular algo atento às demandas da atualidade, tendo como esqueleto uma convidativa ação desenfreada?
É comum que, diante de um filme de ação com cada vez mais claras intenções escapistas, muitos espectadores decidam fazer vista grossa e ouvido de mercador. Assim, abraçam a estranha noção de que entretenimento não precisa ter profundidade, densidade ou qualidade. Nada mais paternalista ou reducionista do que pensar nos filmes de apelo popular como produtos sem responsabilidade com a qualidade (de onde tiraram isso?). E As Agentes 355 infelizmente boicota os elementos subliminares que poderiam levar as situações e as personagens a outros patamares. Além da incapacidade de aprofundar a discussão em torno da recusa de Mace de se casar, há um desperdício quando surge no horizonte a inimiga. Marie (Diane Kruger) é a versão germânica da protagonista, uma espécie de cópia carbono da norte-americana que igualmente tem dificuldade de conectar-se com os outros. Como Simon Kinberg não deve acreditar que seu público seja um bom entendedor, ele utiliza bem mais do que meias palavras para estabelecer as várias equivalências entre Mace e Marie. O filme chega ao ponto de mostra-las paralelamente tendo conversas com seus superiores, papos nos quais os assuntos abordados, as reações e as consequências são os mesmos. Depois, a transformação da rivalidade em vínculo afetivo é pouco enfatizada, simplesmente acontecendo. Some a isso as conveniências. Por que ninguém pensa em destruir o “gatilho do apocalipse”? Se fosse por vantagens geopolíticas (cada personagem serve a um país) isso precisaria ser discutido, certo? Infelizmente não é, assim como também não serve para nada alguém dizer "você não pode me matar, porque apenas eu posso operar esse sistema do Armageddon", uma vez que a morte do criador não significa qualquer empecilho para outras várias pessoas operarem o sistema.
Para recuperar o artefato cibernético, o mais valioso/perigoso do mundo, é preciso um grupo de cascas-grossas. E novamente o roteiro também assinado por Theresa Rebeck prefere reforçar o superficial, neste caso incorrendo nos famigerados estereótipos. A começar por Marie, uma pessoa tipicamente fria (olhar, comportamento, gestos), como o senso comum anuncia serem os alemães; já Graciela (Penélope Cruz) é a mãe cuja preocupação com a família pode ser compreendida dentro de lugares-comuns frequentemente associados à latinidade; por fim, Lin Mi Sheng (Fan Bingbing) faz o tipo “chinesa exótica” de fala ponderada e modos que beiram o robótico. A única que escapa aos clichês restritivos é Khadijah (Lupita Nyong'o), aquela que ocupa o posto de cérebro internético da missão. Fora isso, o desenrolar da trama apresenta visitas a vários países, conspirações supostamente labirínticas e perseguições de intensidade moderada. Em suma, uma trajetória genérica demais para um filme cujo gesto primordial é tentar romper a hegemonia do estatuto masculino em narrativas historicamente consagradas à celebração dos feitos masculinos. Contudo, o realizador prefere ficar nadando no raso e apenas sugerir algumas coisas que nem são devidamente desenvolvidas. A dinâmica entre Mace e Marie, as semelhantes que se repelem para depois se aproximarem, poderia servir para tocar no ponto da rivalidade feminina? Claro, porém a falta de abrangência dessa noção determina a sua inocência. Nem o entendimento sobre o que motiva as mulheres (adrenalina? patriotismo?) é minimamente investigado.
Em boa parte de As Agentes 355 as personagens não são realmente agentes da reversão do quadro masculino dos filmes de ação. O talento das atrizes atenua um pouco as falhas de abordagem, mas, apesar de seus esforços, não é somente a aliança e a rivalidade que são rapidamente minimizadas como motor da discussão de gênero. As espiãs são confrontadas em certo momento pelo iminente assassinato dos seus entes mais queridos (todos homens). A julgar pelo que vem depois, é difícil não interpretar a morte deles como essencial ao triunfo delas. Do ponto de vista figurado, é como se fosse preciso se livrar do componente masculino. Isso poderia ser uma observação interessante, sobretudo num itinerário lúdico de empoderamento. Mas, já que o cineasta não trabalha as nuances desse simbolismo, ele fica parecendo apenas um enunciado vago e solto. Falta elaboração e consistência à defesa das teses ou mesmo à sugestão delas. Por fim, é bastante sintomático o plano da mulher desconhecida caminhando ao lado do marido e do filho, assim formando o que se convencionou chamar de “família tradicional”. A estranha é observada pelas personagens bad ass que comeram o pão que o diabo amassou para os cidadãos comuns terem sossego. Novamente, Simon Kinberg ensaia algo, mas não tem coragem de assumir: para um bom entendedor, fica claro que é uma metáfora da luta feminista benéfica a todas as mulheres, até mesmo às tradicionais/conservadoras. Aqui Simon peca por escassez, não por excesso como antes. Pena que ele não enfatize os subtextos, os minimizando por inseri-los de maneira dispersiva.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Lucas Salgado | 4 |
MÉDIA | 4.5 |
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