Crítica


6

Leitores


Onde Assistir

Sinopse

A família Willer está entre as únicas doze, judaicas e checas, que conseguiu sobreviver ao holocausto. Alfred Miller e seu pai emigraram para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial quando sua cidade natal, Praga, na República Checa, foi invadida e devastada pelos nazistas. No Brasil, Alfred se casou e formou uma família, além de se consagrar como um grande arquiteto.

Crítica

Brasileira radicada em Londres, Marina Willer, além de cineasta, é designer, aliás, reconhecida e respeitada mundialmente como tal – ele á sócia da inglesa Pentagram, consultoria de design gráfico mais influente do mercado. A vocação pelas linhas e formas se faz bastante presente na concepção visual de Árvores Vermelhas, fruto de um processo de arqueologia familiar que acessa as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial a partir das vivências, principalmente, de seu pai, Alfred Willer. Ele construiu uma importante carreira como arquiteto no Brasil, país ao qual migrou tão logo houve a derrota da Alemanha e dos demais países do eixo. A opressão aos tchecos Willer se deu pelo fato deles serem judeus. O avô de Marina era, assim como alguns descendentes, intimamente ligado aos âmbitos da ciência, tanto que foi um dos responsáveis pela invenção do ácido cítrico, utilizado, entre outras coisas, para conservar alimentos e conferir artificialmente o sabor do limão. No filme, essa contextualização ocorre aos poucos.

Árvores Vermelhas é um ensaio poético que se vale de duras reminiscências, justapondo-as a imagens nem sempre funcionais narrativamente, sobretudo pelo artificialismo de suas conjurações na telona, cuja primazia é a beleza. Quanto aos relatos verbais, a realizadora alterna a voz do próprio pai com a de um narrador que o emula, assim interpretando memórias. O caráter mimético também pode ser visto na construção visual, feita basicamente de registros atuais de locais outrora marcados pelos horrores da sanha nazista e ilustrações em movimento daquilo que o relator-personagem expressa oralmente. A segunda categoria possui um apelo vulgar, no sentido de apenas corroborar as palavras, embora lhes acrescente um considerável viés lírico que eleva o todo plasticamente. O documentário atinge momentos de força dramática quando detido no processo de complementariedade entre visto e ouvido. Essa diferença é essencial para compreendermos a irregularidade do resultado que se apresenta.

O roteiro de Árvores Vermelhas é outro ponto problemático dessa estrutura que mescla dimensões históricas de níveis macro e micro. Ao falar dos Willer, partindo das recordações do pai que testemunhou as barbaridades do Holocausto in loco, Marina acaba acrescentando outro tijolo no muro que mantém vívidos certos episódios nefastos da trajetória humana no século XX. É competente a forma como se dimensiona o cotidiano dos judeus tchecos e toda sorte de infortúnios por eles sofridos, tanto em Praga quando nos campos de concentração aos quais vários deles foram enviados sem possibilidade de retorno. Mas, a instância atual, que entrecorta um fluxo mais ou menos cronológico, se encaixa a fórceps. A cineasta, além de colocar-se à frente das câmeras, relaciona a tenacidade dos seus à existência da prole, vide as cenas em que os netos curiosos, de alguma maneira, perpetuam algo por pouco não perdido nas ruas convulsionadas da República Tcheca dominada pelos alemães.

Há momentos verdadeiramente lindos em Árvores Vermelhas, com destaque para as cenas no vestiário de uma fábrica abandonada, em que a suspensão de vestimentas laborais cria uma sensação de fantasmagoria latente. Embora seja combalida pela inconstância da trajetória narrativa, que desperdiça momentos preciosos, como determinadas interações familiares que soam protocolares e encenadas demasiadamente, enquanto incorre em repetições (estilísticas e factuais) nem sempre expressivas o suficiente, a trajetória dos Willer é desenhada cinematograficamente por uma câmera que, ao deter-se lenta e cerimoniosamente nos cenários carcomidos por um passado violento, parece disposta a demorar-se justamente a fim de compreender, e mais, apreender algo da atmosfera carregada dos estilhaços da Guerra sangrenta. O encerramento no Brasil revela a admiração pelo país tropical, não isento de problemas, mas que, verdade seja dita, acolheu muitos que fugiram da Europa para viver.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Leonardo Ribeiro
7
MÉDIA
6.5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *