Sinopse
Muriel não sabia nadar, tinha tanto medo. Um medo que ecoava a distância de sua mãe e trazia à tona os pavores e monstros da infância. Mergulhada em si mesma, ela busca agora a voz e o ar que sempre lhe faltou como menina e mulher.
Crítica
Apneia é uma suspensão involuntária da respiração durante o sono. São pequenas mortes, por assim dizer. Momentos nos quais a pessoa fica carente de algo, porém sem saber dessa necessidade. Inconsciente. Precisando de ajuda, porém sem poder pedir por ela. Perdida, entre o acordar, que tudo resolveria, e o abandono, assombrada por uma realidade de fantasias e imaginações, sonhos e ilusões. Apneia é, também, o nome do curta-metragem de animação de Carol Sakura e Walkir Fernandes, premiado no Anima Mundi e selecionado para as mostras competitivas nacionais dos festivais Cine PE, em Pernambuco, e Gramado, no Rio Grande do Sul. Uma pequena amostra da atenção que o filme tem recebido, absolutamente merecida e condizente com a delicadeza e sensibilidade exibida em sua narrativa.
Muriel estava numa boa, flutuando dentro da própria mãe, quando uma força contra a qual não conseguiu resistir acabou com a sua tranquilidade e a jogou num mundo de sons e fúria. Sua história tem ares de tragédia shakespeariana, mas não é nada diferente da de muitos outros. Quer dizer, a não ser por alguns detalhes que ela foi descobrindo com o passar dos anos. Filha de mãe solteira, mulher essa que lutava para garantir a sobrevivência das duas, desde cedo a pequena se acostumou a se sentir sozinha. E na solidão, a vontade de retornar, de recomeçar, de se esconder, de desaparecer. De voltar para aquele momento em que tudo teve início.
E onde foi isso? Na água. No líquido. Entre o sono e o acordar. Assim como Pinóquio, ela espera pelo dia em que será engolida pela baleia e dentro do gigante se verá acolhida. Não perdida em desespero, mas abraçada em segurança. O mar, porém, que tanto tinha a lhe oferecer, agora assusta e afasta. É com seus medos, portanto, que precisa aprender a lidar. Sakura e Fernandes não forçam essa oposição – pelo contrário, a adotam como parte fundamental de sua narrativa, partindo dela como base, ao invés de nela se apoiar enquanto estrutura. A animação, assim, ganha graça e leveza. Há muito a ser dito, mas mais importante, ainda, é o que será sentido.
Monstros da infância não crescem junto com as crianças. Por outro lado, não deixam de existir. Ficam lá atrás, guardados. Muitos os esquecem para sempre. Alguns, no entanto, poderão se sentir impelidos a retornar até eles, não apenas para revisitá-los, mas também, na condição do agora, enfrentá-los com maior autoridade. Muriel está nesse processo de descoberta. Feliz e dona de si, disposta a enfrentar o instante entre o ontem e o amanhã. Quando se soltar, no meio do sono, será para cair em si mesma. Apneia é fruto desse ato singelo. Um filme que abraça o mundo, sem esforço nem exageros, pois assim o faz a partir de um olhar absolutamente íntimo.
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