Crítica


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Sinopse

Durante muitas décadas, sonho e consumo material foram duas coisas que sempre andaram juntos. Por mais que essa associação de pensamento ainda seja perpetuada na sociedade atual, hoje tenta-se desmitificar a ideia de que dinheiro sempre será poder. Enquanto a escolha do consumidor leva órgãos governamentais a destruírem culturas nativas e o meio-ambiente, algumas instituições tentam fazer diferente.

Crítica

Um dos pilares de Amanhã Chegou é a constatação de determinados sistemas predatórios culpados do vilipêndio do planeta Terra. O principal alvo, aqui, é o consumo desenfreado e a cadeia a ele atrelada. Recorrendo à fala de profissionais de diversas áreas, de psicólogos a economistas, passando por pequenos e grandes empreendedores que pensam cotidianamente as questões relativas à sustentabilidade, a cineasta estreante Renata Simões busca a criação de um painel amplo que, portanto, dê conta de muitas perspectivas. Todavia, o resultado é bem mais complementar que agregador, pois as questões centrais abordadas são as mesmas. As particularidades surgem como meras variações geográficas e circunstanciais, sem a abertura do escopo, senão às especulações. A criatividade dos cenários em que os depoentes discorrem confere ao filme uma boa singularidade visual. A jornalista Eliane Brum, por exemplo, fica na curva de uma ponte paulistana. Outros falam com instalações de material reciclado e/ou sucata ao fundo.

A expressão verbal de Amanhã Chegou é repleta de enunciados importantes, de certificações alarmantes relativas às rotinas impostas por um capitalismo dominante que naufragou como projeto mundial, tendo em vista a má distribuição de renda e a pobreza endêmica. Visualmente, há clara tentativa de valorizar a suntuosidade da natureza, com consecutivos planos aéreos de florestas, rios e demais paisagens de encher os olhos. A repetição de tomadas feitas por drones fundamenta uma estética inclinada à publicidade, uma vez que as imagens acabam ganhando ares de anúncio e/ou merchandising. Sendo assim, o documentário é assolado por uma repetição contraproducente, decorrente desse artificialismo formal que acaba, involuntariamente, se chocando contra o discurso assumido na seara oral. O maior acerto é a apresentação de alternativas viáveis aos modelos vigentes, como as cooperativas ribeirinhas, os mercados que expõem valores/percentuais e práticas de manejo.

Amanhã Chegou investe boa parte de seu tempo na observação de iniciativas empresariais sustentáveis, com resistentes ajuntamentos de pessoas realmente preocupadas com o meio ambiente, dispostas a preservar os recursos naturais. Essas comprovações são entremeadas por depoimentos bastante específicos que deflagram a urgência da replicação de tais modelos. A estrutura narrativa é quadrada, mas funcional dentro das intenções abertamente manifestadas. Um ponto controverso é o demorado elogio aos processos da ALCOA, gigante do extrativismo mineral, uma das maiores corporações de alumínio do mundo. Ela ganha espaço considerável para expor ações de reflorestamento e a preocupação com a restauração dos terrenos utilizados para a retirada de recursos do solo. A atenção significativa conferida à companhia, destoando da pegada de exemplos menores, soa como corpo estranho, mais se levarmos em conta que a corporação é uma das patrocinadoras do filme.

Excetuando a inclinação por uma linguagem e uma estética publicitárias, Amanhã Chegou garante sua relevância pelas apurações de realidades que precisam ser drasticamente modificadas. A procura constante por beleza visual é justificável pela vontade assumida de sublinhar a imponência de ambientes preteridos em função de lógicas capitalistas devastadoras. Todavia, há um efeito colateral, especialmente decorrente da falta de equilíbrio, que é a insuficiência dos ditos como contrapontos. Talvez, neste caso, para maior contundência e efetividade, seria melhor contrastar imagem com imagem, palavra com palavra. Ainda assim, o documentário atinge alguns alvos importantes e ressalta a validade de caminhos opcionais. Pena que não o faz com criatividade para além da montagem dos panos de fundo, caindo numa dinâmica viciada, incorrendo em excesso de didatismo ao renomear frequentemente personagens, apostando mais na informação que necessariamente na poesia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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