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Sinopse

Willis é um homem idoso, conservador e violento, que começa a demonstrar sinais de demência. Quando passa uma semana na casa do filho, um piloto de avião gay que vive com o marido e a filha, incomoda a todos com sua intolerância. Mesmo assim, o filho John pretende acolhê-lo até o final.

Crítica

Willis (Lance Henriksen) é um homem idoso extremamente desagradável. Violento, grosseiro, vulgar, machista e homofóbico, ele começa a demonstrar sinais de demência, gerando um comportamento ainda mais imprevisível. Durante uma semana, visita a casa do filho adulto, um piloto de avião gay que mora com o marido chinês e a filha latina. É evidente a vontade do diretor, roteirista e ator principal Viggo Mortensen em contrapor dois mundos: de um lado, o protótipo do caubói conservador, amante de armas de fogo e defensor de Donald Trump, e do outro lado, o conceito de uma nação moderna e diversificada em sexualidade, etnia e identidade. Aqui, o representante da ala tradicional vive num rancho à moda antiga, enquanto a nova geração possui tatuagens, piercings, cabelos coloridos, vai a galerias de arte, compra comida orgânica e se desloca ao trabalho em bicicleta, por consciência ecológica. A narrativa se concentra no choque entre o pai Willis e o filho John (Mortensen), enquanto os personagens coadjuvantes são escondidos por conveniência narrativa (estão estudando, trabalhando, morando na cidade vizinha). Em seu primeiro trabalho como cineasta, o ator parte para um drama humano de oposições evidentes.

Os problemas surgem da mão pesada da direção. O contraponto entre os dois heróis se beneficiaria com gradações e variações de tom, navegando pela tragédia, o drama e o humor – este seria o material perfeito para uma comédia dramática indie. No entanto, o filme adota um caminho asfixiante onde toda cena reitera seu dilema central. Num momento, o pai chama o filho de “viado”, e este se cala em desaprovação. Depois, o xinga de “fadinha”, provocando novo silêncio. Na cena seguinte chegam os insultos de “bicha”, “fraco”, de estar obcecado por pênis e ter uma vontade constante de ser penetrado. O texto monotemático oferece uma metralhadora de insultos que também se expandem ao ex-presidente negro Barack Obama, ao marido chinês, à filha latina, aos netos progressistas. O personagem se expressa aos gritos, sem variações de tom nem arrependimento, aprendizado ou remorso. Willis é um protagonista difícil de suportar, algo reforçado pela atuação vigorosa de Lance Henriksen, que enche a boca para cuspir cada ofensa, embora seja incapaz de atribuir ternura ao homem idoso. Face ao sujeito execrável desde a juventude (vide os constantes flashbacks ao som de pianos tristes), o filho se mostra um santo: ele jamais ergue a voz, mantém o bom senso, tenta sorrir, insiste em cuidar do pai.

Além de ser demonstrativa e repetitiva, essa dinâmica transparece um incômodo prazer sádico. O cineasta pretende valorizar John, a irmã Sarah (Laura Linney), o marido Eric (Terry Chen) e a filha Monica (Gaby Vellis) pela tolerância ao suportarem o sujeito demente. No entanto, insiste na sucessão vertiginosa de humilhações, constrangimentos e violência tanto física quanto psicológica. O diretor estima que estes personagens se tornam ainda mais valorosos pelo sofrimento, mas já passou da hora de romper com a defesa cristã da purificação através da dor. Foi-se o tempo em que o retrato clemente dos excluídos constituía uma forma nobre de representação. Hoje, seria mais respeitoso demonstrar a solidez dos relacionamentos e a capacidade de se impor face aos retrocessos, ao invés de martirizar a integralidade de coadjuvantes maltratados por Wallis. Em pleno século XXI, a imagem de gays se inserindo naturalmente na sociedade, ocupando espaços para além da marginalidade e do perigo, da promiscuidade e dos pontos de ruptura (a saída do armário, a descoberta de doenças) produz maior interesse do que um enésimo espetáculo da dor alheia.

Este incômodo transparece nas escolhas de mise en scène: primeiro, o ponto de vista não se encontra junto ao pai agressor, nem ao filho agredido. Observamos as incansáveis brigas à distância, alheios à subjetividade da dupla. As atividades fora da casa, os instantes de metáfora ou poesia estão ausentes: pai e filho são pura exterioridade, visto que Mortensen demonstra séria dificuldade em trabalhar sugestões. Segundo, este projeto a respeito de homens gays é concebido para o público heterossexual, a quem se pede gentilmente: “Expanda as suas crenças, aceite os outros, seja mais tolerante”. Falling: Ainda Há Tempo (2020) condiciona o respeito pelas minorias à boa vontade dos conservadores, ao invés de tratá-lo como direito fundamental dos indivíduos discriminados. Outro sinal do anacronismo se encontra na percepção do preconceito enquanto falha ocasional de pessoas isoladas – as típicas “maçãs podres” do provérbio norte-americano. Neste caso, caberia aos gays fazer o esforço de transformar a mentalidade alheia, ao invés de ser responsabilidade do homofóbico deixar de sê-lo. O filme adere ao pensamento contemporâneo falacioso de que são os negros que devem “ensinar” os racistas, os imigrantes que devem “corrigir” os xenofóbicos e assim por diante. O peso da justiça recai sobre os ombros das vítimas, razão pela qual John se transforma num sujeito passivo e conformista, traços interpretados pelo cineasta como virtudes.

Viggo Mortensen possui boas intenções, sem dúvida. Entretanto, sustenta um discurso inocente a um tema complexo, demonstrando falta de conhecimento de psicologia e das vivências LGBTQIA+. Em afinidade com Green Book: O Guia (2018), controversa fábula racial defendida até hoje pelo ator, ele acredita na conciliação entre diferenças pelo salvacionismo – é preciso que um lado bondoso se sacrifique para o outro adquirir oportunidades. Assim, as conquistas do músico Donald Shirley (Mahershala Ali) se assemelham àquelas do filho gay da obra de 2020 pela impressão da igualdade enquanto favor concedido pelos poderosos aos desprivilegiados – vide o abraço ao final de Green Book, e o discurso do pai, deixando o filho partir no desfecho deste drama. Os oprimidos não se impõem graças à organização do movimento, à consciência de classe, à difícil luta de décadas contra o sistema. São apenas pobres figuras esperando por uma esmola de aceitação. O criador respeita a alteridade à sua maneira, efetuando uma composição contida, de poucos maneirismos (exceto pela mão sempre no peito, ressentida e delicada). Ora, precisamos superar os dramas feitos por heterossexuais para heterossexuais, nos quais os indivíduos LGBTQIA+ são vistos com piedade. Esta postura condescendente e paternalista não beneficia em nada o grupo social que pretende valorizar.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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