Crítica


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Sinopse

Retrata a trajetória e a vida dos povos “agudás” atualmente. Trata-se de um grupo de descendentes de africanos escravizados no Brasil, que retornaram à terra natal com o fim da escravidão, e também de descendentes, brasileiros e portugueses, de traficantes de escravos, que se instalaram naquela região da África nos séculos 18 e 19. Presentes em Benin e Togo, os “agudás” assimilaram o sobrenome e parte da cultura de seus senhores.

Crítica

O termo agudá vem do iorubá e serve para designar os descendentes de escravizados africanos e de mercadores de cativos regressos à África, especialmente ao Benin, depois de abolida a escravatura. São pessoas que carregam sobrenomes brasileiros e têm conexões culturais com o nosso país. Em Agudás: Os Brasileiros do Benin, a cineasta Aída Marques parte de pesquisas do antropólogo Milton Guran (creditado como roteirista ao lado de Gustavo Pia) para mostrar esses personagens, tirando um retrato atual dos agudás ao sublinhar os intercâmbios artísticos e os lastros históricos que unificam as nossas nações separadas por léguas de oceano. Trata-se de um documentário de entrevistas costuradas para se chegar a uma ideia geral. Sem muita criatividade visual, a câmera registra os personagens em planos próximos, muitos deles sentados, quando não está perambulando pelas localidades africanas durante as transições. Aliado a essa falta de inventividade visual, a montagem a cargo de Dominique Paris lida com blocos de filmagem e as fragmenta para distribuí-las ao longo do filme. Senão vejamos. Os trechos da conexão culinária entre Benin e Brasil, com o chef agudá servindo uma feijoada a dois meninos, vêm da sequência picotada e distribuída no decorrer da produção, sem qualquer variação que justifique voltar à dinâmica. Como esse, outros vários blocos são desmembrados e alternados de maneira frouxa.

Aída Marques tenta cobrir um espectro amplo de elementos para confirmar a vastidão da herança cultural dos agudás. Ela traz à tona as relações culinárias, religiosas, artísticas, arquitetônicas e de comportamento. Por exemplo, ouve um especialista que discorre acerca da particularidade das fachadas dos casarios beninenses, que evidentemente têm características portuguesas. No entanto, não vai muito além de dar espaço ao sujeito que aponta simetrias, sem evoluir a partir da constatação desses ecos da colonização. O mesmo acontece com os demais componentes, como quando flagra o grupo musical exibindo a sua arte, porém sem desenvolver as conexões artísticas que poderiam tornar consistente o discurso sobre as heranças culturais dos ex-escravizados e dos ex-mercadores de cativos, estes que se beneficiaram de um comércio abundante de humanos, aliás, uma das grandes vergonhas da história da humanidade. Ela não mergulha na singularidade da conciliação entre sequestradores e sequestrados quando a abolição da escravatura no Brasil (um dos últimos países a tomar tal decisão, diga-se de passagem) finalmente colocou um ponto final nesse comércio desumano. Aída simplesmente vai registrando as heranças desse movimento, deixando aos especialistas, sobretudo a Milton Guran, a missão de apresentar um contexto sumário dessa situação historicamente observada.

Então, embora lance luz sobre uma parcela pouco conhecida do espólio escravocrata, Agudás: Os Brasileiros do Benin se limita a mostrar brevemente os rescaldos disso tudo, alternando burocraticamente os segmentos sem atingir um resultado cinematograficamente equivalente à sua importância como ponto de partida à reflexão. Quando segmentos parecem completamente esgotados dentro dessa ideia de observar sem chegar a um entendimento profundo sobre os agudás, Aída volta a eles sem construir qualquer coisa nova ou que acrescente. Por exemplo, a anteriormente citada dinâmica com o chefe beninense que está falando acerca de seu apreço pela feijoada e outros pratos típicos da culinária brasileira. Quando parecia já ter dito tudo sobre aquilo, dentro da perspectiva pouco instigante da abordagem, a realizadora volta àquele cenário para mostrar as pessoas simplesmente repetindo o que haviam dito, com as imagens reiterando exatamente as mesmas coisas de antes. Nada de novo. E isso acontece em outras camadas do filme, o que vai cansando o espectador por falta de evolução. Com uma decupagem (divisão das cenas em planos) semelhante à utilizada pela televisão, vide o engessamento da câmera com pouca atitude e veemência, a produção vale o quanto pesam as suas breves informações. E como estas são logo gastas pela curiosidade limitada da postura documental, tudo fica um tanto frio.

Agudás: Os Brasileiros do Benin cumpre uma função jornalística ao dar visibilidade aos agudás, a esse resultado de um intercâmbio histórico e cultural singular. Aída Marques poderia ter optado por destrinchar apenas um dos vieses, como o entendimento do fenômeno completo surgindo a partir de uma parte. Mas, a isso prefere construir uma síntese dispersiva. Em prol da amplitude do recorte, ela acaba sacrificando a consistência dos relatos, permitindo que o documentário rapidamente caia num lugar improdutivo para além do viés informacional. Às vezes parece que a montagem está se esforçando, não para lidar com um material vasto, mas a fim de produzir a falsa sensação de vastidão a partir do material limitado. Evidentemente que as histórias dos agudás rendem naturalmente muitas coisas, mas aqui parece que Aída Marques ficou insistindo em pontos específicos com pouca iniciativa de ampliação, atribuindo à montadora a necessidade de fazer jus virtualmente à enormidade do seu objeto de estudo. Do ponto de vista da imagem, a predominância do que convencionamos chamar de “cabeças falantes” cria uma experiência visual cansativa que, aliada à monotonia da abordagem, prepara o tereno infértil à adesão do espectador. O resultado é um filme que lida de modo desajeitado com a sua premissa, quando muito aguçando a curiosidade sobre os agudás. Não mais que isso.

Filme visto durante o 19º CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, em junho de 2024

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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