Crítica
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Sinopse
Crítica
Águas Negras começa com uma tragédia familiar mal encenada. Depois do acidente com uma câmera fotográfica, Tara (Catherine Lidstone) percebe que seu irmão implicante desapareceu. Os flashbacks que incomodam a protagonista ao longo do filme esclarecem que nesse instante houve um afogamento, ainda que não faça nenhum sentido a forma como as coisas supostamente aconteceram. O equipamento estava pendurado, o rapaz foi resgatá-lo e acabou morrendo? Mesmo assim, a câmera foi colocada na ponte? Como? Por quem? E em nenhum momento do longa-metragem de Nanea Miyata é mencionado o mistério por trás de algo obviamente impossível sem a influência de terceiros. A lembrança vira culpa e serve somente como mais um peso no cotidiano da jovem que está passando por várias crises. Tara vive reclamando da vida, da incompetência para ganhar dinheiro com o vlog, da frustração por ser garçonete, das dificuldades financeiras e dos problemas para conversar com os pais. São muitas ranhuras empilhadas. Mas, a realizadora utiliza essas tantas feridas como meros penduricalhos ilustrativos. Ela não enfatiza dores, basicamente as reitera para explicar porque Tara faz A em vez de B. A artificialidade predominante dificulta a adesão, efeito colateral também fruto da ineficiência da atriz, de sua incapacidade de tornar crível essa personalidade fraturada.
Catherine Lidstone realmente não dá conta das complexidades emocionais da personagem. Ela não demonstra a fragilidade de alguém perdida no mundo e transita automaticamente entre as outras experiências pretensamente fortes. São iguais as suas indignações com: a amiga fútil, os pais ausentes e o ex-namorado aspirante a estrela do rock. O mesmo acontece com os demais personagens de Água Negra, todos superficiais e com comportamentos inverossímeis. Esse problema nasce certamente no casting, mas cresce pela imperícia da direção para tirar do elenco (fraco) além de caras, bocas e expressões inexpressivas. Uma pista que reforça a responsabilidade da diretora Nanea Miyata é o fato de as fragilidades existirem em mais departamentos da produção. Sobre isso, é preciso identificar que estamos claramente no terreno dos clichês, dos abundantes em filmes estrelados por vítimas indefesas e maníacos dispostos a tudo para manifestar amores doentios. Senão vejamos: duas jovens isoladas numa casa à beira do lago, sem comunicação com o mundo externo; elas são abordadas por um sujeito estranho logo convidado para o interior da mansão. Já assistimos a esse filme incontáveis vezes, tanto que o homem chega a dizer exatamente isso para confirmar a consciência diretiva.
Oras, se Nanea Miyata pronuncia (utilizando um personagem para isso) que transita conscientemente por um caminho há muito explorado (bem melhor) nos cinemas, das duas uma: ou ela brinca com os códigos do filão surrado, talvez lhe dando algum tempero singular; ou reproduz fielmente suas convenções, se contentando assim em ser mais do mesmo. Águas Negras abraça a segunda opção, ainda que nem tenha valor como fiel copiador das tradições cinematográficas desse tipo de filme. A realizadora não quebra expectativas ou retorce modelos desgastados, e sequer faz um feijão com arroz saboroso. Ela parece mesmo determinada a construir uma narrativa banal e sem personalidade. Para isso, aposta em mistérios pouco misteriosos, sugestões que pouco sugerem (pois são escrachos) e tensões oferecidas como se estivéssemos lendo uma bula de remédio. A dureza da encenação impede a identificação ou a apreensão nas circunstâncias que convocam novas tragédias. As melhores amigas são como faces distintas da moeda: uma é pobre e inquieta diante do futuro; a outra é rica, mimada e fútil. E o que é feito dessa diferença? Estritamente? O motor para que as eventuais discussões entre elas contenham verdades inconvenientes, daquelas jogadas na cara somente durante as brigas homéricas.
As cenas de Águas Negras não têm força dramática. São amontoados de conversas superficiais sobre questões enganosamente profundas. Além disso, a transição desajeitada entre os estados de espírito beira o amadorismo. Exemplo disso é a cena de Tara encontrando Amy (Angela Gulner) no flerte com o "enigmático" Lucas (Peter Porte). Literalmente, de um plano para o outro, a protagonista deixa o semblante de decepção e entra no que parece um jogo erótico a três (sem qualquer voltagem ou tesão). Noutra cena, ela sai da mansão banhada por uma crepuscular luz dourada a fim de encontrar sua câmera. Ao chegar ao cais (a poucos metros de distância), é envolta por uma noite densa e enevoada (oi?). Pode ser que ali Nanea Miyata quisesse romper com a realidade para fazer do cenário um reflexo simbólico de turbulência interna? Claro. Porém, pela forma como tudo é montado/encenado parece um erro gritante de continuidade. Aliás, a montagem burocrática e a fotografia "lavada" contribuem enormemente à pobreza do resultado. Voltando aos personagens, a verborragia deles perde em ruindade apenas para os olhares perdidos que insinuam intensidade/medo/incógnita (Peter Porte recorre bastante ao expediente). Ameaçadas pelo bonitão de barba milimetricamente aparada e cabelo cuidado no meio do mato, a protagonista e a amiga são mais vítimas da abordagem do que do maníaco galã.
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Lindo! Obrigada pela crítica acutilante e esclarecedora xD