Crítica


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Sinopse

Marcada como a primeira revista em quadrinhos brasileira totalmente em cores, A Turma do Pererê é considerada uma influência gigante para diversos autores. Além de abordar temas como ecologia e inclusão social, também é referenciada por se alinhar perfeitamente aos principais acontecimentos políticos da época.

Crítica

Um primeiro elemento de destaque neste documentário diz respeito à qualidade de suas imagens. Em meio a tantos projetos que buscam se legitimar pela relevância do tema enquanto ostentam problemas graves de som, fotografia e montagem, o filme dirigido por Ricardo Favilla demonstra uma preocupação notável com sua captação e finalização. A fotografia é bem trabalhada em cada depoimento, o som está impecavelmente registrado e editado, a montagem efetua transições ágeis, porém nada abruptas, entre ideias distintas. Apesar de se basear no formato engessado dos talking heads – as cabeças falantes, a primazia dos depoimentos em relação às imagens – o diretor extrai o melhor possível, em termos de acabamento, deste dispositivo.

Além disso, Ziraldo e a Turma do Pererê são estudados por um prisma puramente histórico e analítico, ao limite do obsessivo. Os filmes-homenagens costumam enaltecer a figura do criador por trás da obra, porém Favilla se priva da habitual idealização que implicaria em descrever o artista como um bom pai, bom amigo, sujeito de índole inquestionável, ícone das gerações futuras etc. Não existe preocupação alguma com a vida pessoal dos artistas envolvidos, apenas sua relação com a arte, o desenvolvimento dos traços autorais, a relação com o contexto sociopolítico da época: a ditadura militar, a chegada dos primeiros quadrinhos, as pressões mercadológicas e afins. Este filme dedica um tempo considerável à criação dos personagens, à recepção dos mesmos, aos temas mais comuns de Ziraldo.

Deste modo, A Turma do Pererê.doc impressiona pelo apaixonado trabalho de pesquisa, dotado de rigor investigativo e foco muito claro na relação entre criador e criatura. Por incrível que pareça, os egos desaparecem neste painel que inclui Laerte, Jaguar e Maurício de Sousa. Enquanto isso, o cineasta opta pelo recurso à estética dos quadrinhos – algo não exatamente inventivo, mas pertinente dentro deste contexto. A animação dos desenhos estáticos e os efeitos digitais de transição entre fotos e gibis se esforçam em atribuir ao filme o aspecto lúdico dos desenhos. No encontro entre o aspecto fotográfico do cinema e a fantasia própria à ilustração o documentário apresenta a sua força – mesmo que a repetição dos letreiros descritivos de cada entrevistado soe dispensável, por exemplo.

A aproximação entre cinema e quadrinhos também surge na ideia de que ambos constituem projetos de resistência cultural, dois casos em que o público nacional ainda prefere consumir produtos norte-americanos. Favilla jamais se aprofunda em sua análise política, porém sugere que, para além da resistência à ditadura e sua censura, o trabalho de Ziraldo se revela político pela escolha das formas, pelos temas ecológicos, por retratar garotos e garotas em termos equivalentes. Fazer arte contra as normas preestabelecidas constitui uma postura política em si, algo que o documentário resgata bem ao filmar tanto Ziraldo quanto Maurício de Sousa com o papel e a caneta em mãos, desenhando aos olhos da câmera. Por consequência, rumo ao final, discute-se o fim do Pererê, mas jamais a aposentadoria dos artistas, percebidos como sujeitos em atividade, e bastante críticos em relação à produção de quadrinhos desde então.

Faltaria apenas, ao belo projeto, refletir sobre o papel do documentário enquanto linguagem autônoma. A Turma do Pererê.doc não escapa do tradicional medo do silêncio – os personagens precisam falar o tempo inteiro, guiando o espectador pela exposição oral de suas ideias – enquanto as imagens se reservam à função de ilustrar o conteúdo sonoro. Não existem rupturas entre som e imagem, espaço para a contemplação, nem mesmo a captação de cenas pelo diretor que representem, metaforicamente, o papel dos quadrinhos de Ziraldo nos tempos de hoje. Não se busca ruídos na imagem, nem qualquer espécie de atrito nas formas, como fizeram, recentemente, documentários como Jonas e o Circo Sem Lona (2015), Campo de Jogo (2015) e Caminho de Volta (2015).

Este sempre será o problema dos filmes comportados demais para falar sobre os pioneiros, filmes padronizados que buscam elogiar quem foge dos padrões. O documentário, mesmo de baixo orçamento – ou talvez graças a este baixo orçamento - é capaz de ousar muito mais nas formas, na linguagem, no ritmo, na relação com o espectador. A reflexão sobre o uso desta ferramenta constitui um papel tão importante ao cineasta quanto o evidente cuidado demonstrado com seu tema e seus entrevistados. O cinema não pode ser reduzido ao veículo para se contar ou debater uma ideia – ele sempre será, acima de tudo, uma forma capaz de carregar um discurso pelo simples agenciamento de suas imagens.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Bruno Carmelo
7
Leonardo Ribeiro
6
MÉDIA
6.5

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