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Crítica
Embora seja tão natural quanto o nascimento, a morte é ainda um grande tabu, sobretudo porque significa ruptura com os viventes, ou seja, uma quebra irreconciliável de vínculos. A Partida Final, produção original Netflix indicada ao Oscar de Melhor Curta Documentário, se debruça sobre os momentos derradeiros de pacientes terminais. Em virtude desse foco bastante específico, é um filme difícil, doloroso, mas cuja aproximação sensível do drama alheio não permite uma espetacularização perniciosa. Transcorrido em São Francisco, ele percebe tanto familiares em processos bastante distintos de aceitação e conformidade como pacientes com níveis variáveis de clareza diante de seu diagnóstico irreversível. Outro grupo observado é o formado por médicos, enfermeiros, capelães e demais profissionais encarregados de cuidados paliativos, de tornar dignos e confortáveis os últimos instantes de homens e mulheres enfermos.
A Partida Final se detém mais demoradamente no caso de uma imigrante que luta incansavelmente contra um câncer agressivo. A câmera se achega dos personagens de maneira intimista, sem interferir nas conversas repletas de sofrimento, flagrando espontaneamente episódios sintomáticos, tais como a discordância familiar frente as possibilidades aventadas para dirimir a angústia da paciente. O marido insiste em lutar ferrenhamente, não se entregando, mas talvez se esquecendo de levar tanto em consideração o martírio alheio, especialmente nos instantes de melhoras circunstanciais. Já a mãe, farta de encarar a filha definhando numa cama de hospital, tem posicionamento mais pragmático, primando pelo alívio alheio em detrimento do próprio pesar. Sem julgar esta ou aquela posição, os cineastas Rob Epstein e Jeffrey Friedman abrem caminhos à compreensão ampla dos fatos.
O trabalho dos especialistas ligados aos cuidados paliativos é bastante valorizado em A Partida Final. Os realizadores conferem tempo e espaço generosos para que médicos discorram aos interessados sobre as melhores formas de conduzir o processo lancinante, inclusive com a tentativa de debate acerca da morte e do amedrontamento geral em face do desconhecido. Um dos doutores tem especial função nesse sentido, especialmente por oferecer ao conjunto sua experiência fatídica da juventude, quando perdeu as duas pernas e parte de um braço, como forma de ilustrar a percepção de assuntos tidos como interditos na maioria das vezes. Há momentos especialmente belos no filme, vide uma das pacientes demonstrando hesitação defronte da possibilidade de perecer rapidamente. É exatamente nesses pontos críticos que o curta (na verdade, um média-metragem) mostra o quão é respeitoso e terno.
A Partida Final mescla com habilidade a exposição do infortúnio alheio e o registro da rede especializada em tornar menos penosa uma fase considerada dura, porém inevitável, caracterizada como a antessala da morte. Embora ocasionalmente se perca entre essas abordagens, não chegando a se decidir por uma delas como basilar do conjunto, o filme tem o mérito sobressalente de preservar a intimidade alheia, nem por isso se furtando de tocar em questões delicadas, com os procedimentos sendo condicionados pela empatia. A câmera, assim, não torna as situações frias e/ou destituídas de emoção por medo de exacerbar a tristeza inerente aos relatos, tampouco explora banalmente as dificuldades alheias. Rob Epstein e Jeffrey Friedman fazem um filme bonito, de percurso obviamente difícil, mas sem incorrer no lugar-comum da lamúria pura e simples, valorizando o conteúdo volátil, mostrando doentes, familiares e profissionais como gente.
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