Crítica


4

Leitores


8 votos 7

Onde Assistir

Sinopse

Judas agiliza a queda de Jesus entregando-o a oficiais do Império Romano. Para horror da mãe dele, Maria, de Madalena e de seus discípulos, Jesus é condenado à morte.

Crítica

Há somente uma indagação válida diante toda a polêmica surgida em torno de A Paixão de Cristo, terceiro trabalho do astro Mel Gibson como diretor: por quê? Somente uma resposta à altura poderia, talvez, justificar a existência – e a consequente audiência de milhares de espectadores – de uma obra tão desnecessária, gratuita e exagerada como essa. Afinal, não se trata de um filme, e sim um festival de atrocidades bárbaras em cima de um único homem, sem ao menos ser dotado do significado básico sobre o que isso representa. Questões não são levantadas, não há uma proposta de discussão a respeito e nem a possibilidade do surgimento de novas ideias: é violência, apenas, no seu estado mais bruto e dispensável possível.

Ao relatar com o máximo de veracidade as últimas doze horas de vida na Terra de Jesus Cristo, Gibson – também autor do roteiro – se deteve nos relatos existentes nos evangelhos de Mateus, Lucas, Marcos e João. Mas isso ele fez com uma visão extremamente conservadora, ignorando qualquer revisão mais recente, como as propostas pelo Concílio Vaticano 2°, de 1962, que inocentava os judeus de serem os responsáveis pelo assassinato de Jesus – Este morreu por todos nós, em última instância, e não em nome de apenas um povo. É por essa ótica que o diretor – vencedor do Oscar por seu trabalho anterior, Coração Valente (1995) – se sustenta: é o caminho da culpa, e não do amor, que esse Cristo segue.

Falar de aspectos técnicos de grandes produções hollywoodianas tem se tornando um aspecto superlativo, uma vez que o apuro tecnológico é tão expressivo que observações dessa natureza só se fazem válidas quando o resultado apresentado é excepcional. O que vemos em A Paixão de Cristo, principalmente sua fotografia, maquiagem e a trilha sonora, é irretocável, mas nada inesquecível. Do mesmo modo se apresentam o elenco central, todos competentes dentro de seus personagens, mas sem grandes oportunidades de se destacarem. Jim Caviezel é semelhante fisicamente com o Jesus Cristo que fomos habituados a conhecer nas ilustrações católicas, mas nada faz além de sofrer (muito bem, importante notar). Monica Bellucci, como Maria Madalena, é uma coadjuvante de luxo, tendo apenas duas ou três falas em cena. A romena Maia Morgenstern, como Maria, é uma das mais expressivas, mas também dentro do seu limitado espaço de atuação.

Para melhor compreender A Paixão de Cristo, é importante ter claro uma coisa: Mel Gibson mais de uma vez afirmou sua devoção religiosa, e o que transmite neste filme é deturpado por uma ótica maniqueísta e exagerada, que procura não mais do que fazer valer seus conceitos e verdades. De bêbado e mulherengo, Gibson “encontrou” paz e tranqüilidade na família (possui cerca de 7 filhos, e vive com todos eles numa fazenda no interior da Austrália) e em preceitos encontrados nas escrituras sagradas da Igreja Católica. Assim sendo, o que temos com esse filme é a sua visão, uma tentativa de evangelização que propõe uma comunicação com um público maior através do modo mais eficaz que tal artista, acostumado a trabalhar em filmes como Máquina Mortífera (1987), conhece e domina: violência exacerbada e gratuita.

A Paixão de Cristo foi um impressionante sucesso de bilheteria – o maior de toda a carreira do astro – tendo arrecadado mais de US$ 600 milhões em todo o mundo. Este espetáculo, no entanto, não possui nada de original, inovador ou surpreendente – o que se tem são 126 minutos ininterruptos de atrocidades, brutalidades e exageros cometidos contra um homem indefeso, sem contextualização ou mesmo pregação válida. Em última instância, trata-se de um filme que não provoca, nem chama ao debate – como tão bem fez A Última Tentação de Cristo (1988), de Martin Scorsese, por exemplo. É vazio em seu discurso de ódio, e mais revoltante – e sem o senso de humor – que filmes B como os de séries como Sexta-Feira 13. Para qualquer um que não reze de acordo com a mesma cartilha do diretor, este filme é apenas um exemplo de técnica a serviço de uma mensagem deturpada e que merece ser ignorada com a maior severidade possível. Ao menos essa lição podemos fazer uso.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *