Crítica


3

Leitores


1 voto 6

Onde Assistir

Sinopse

O reencontro de duas irmãs mantidas afastadas há anos é interrompido por demônios devoradores de carne. Diante desse cenário tétrico, ambas precisarão lutar pela sobrevivência e enfrentar segredos familiares.

Crítica

Em certo momento de A Morte do Demônio: A Ascensão, um dos personagens olha pela janela, à noite, e ao perceber a cidade inteira iluminada, em contraste com o apartamento (e edifício) onde moram, que se encontra às escuras, exclama o óbvio: “acho que faltou luz apenas para nós”. Bom, essa falta de iluminação, por assim dizer, se verifica também no desenrolar dos acontecimentos do longa escrito e dirigido por Lee Cronin, que a despeito de alguns curtas-metragens e trabalhos para a televisão, havia dirigido até o momento apenas o ainda inédito (ao menos no Brasil) The Hole in the Ground (2019), cujo nome mais conhecido do elenco é o de James Cosmo (o Jeor Mormont de Game of Thrones, 2011-2013) e que lhe rendeu indicações como “cineasta revelação” tanto na Academia de Cinema de Horror, Fantasia e Ficção Científica como no Fangoria Chainsaw Awards – duas das mais importantes premiações do cinema de gênero nos Estados Unidos. Essa boa vontade adquirida com seu projeto de estreia, no entanto, é desperdiçada em uma sequência (ou reboot? Ou prequel?) redundante, que pouco avança em termos de agregar novos elementos ao que já se conhecia, além de desperdiçar um potencial interessante em soluções ingênuas, para não dizer infantis, na maior parte de sua narrativa.

Antes de mais nada, importante tentar entender em que momento da saga criada por Sam Raimi no início dos anos 1980 esse novo filme se encaixa. E a conclusão mais óbvia é que talvez nem mesmo ele (que agora assina apenas como produtor executivo) ou os responsáveis atuais parecem saber com certeza. O mais provável seria afirmar que esta é uma história “ambientada no mesmo universo”, ou seja, com alguns elementos em paralelo que poderiam servir de (fraca) ligação, mas sem o envolvimento direto (ou mesmo oblíquo) dos personagens vistos nos capítulos antigos. Melhor esquecer, portanto, de Mia, David ou Eric, que sofreram “o pão que o diabo amassou” em A Morte do Demônio (2013), mas, principalmente, está ausente Ash (Bruce Campbell), herói não apenas da trilogia inicial (Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio, 1981; Uma Noite Alucinante 2, 1987; e Uma Noite Alucinante 3, 1992) como também da série derivada Ash vs. Evil Dead ((2015-2018). Ao mesmo tempo em que opta por seguir através de caminhos supostamente independentes (o que poderia funcionar para os espectadores de última hora), Cronin insiste em amarras desnecessárias, como um prólogo e epílogo que pouco (ou quase nada) colaboram com o conjunto. Soa como adereços descartáveis, que mais atrapalham do que acrescentam.

Dito isso, que fique claro, portanto, que tudo o que é visto em A Morte do Demônio: A Ascensão é não mais do que um imenso flashback, eventos anteriores que deveriam ter influência em consequências posteriores. Mas se essas se dão com figuras desconhecidas e com as quais ninguém se importa, qual a necessidade de se perder uma hora e meia com explicações não solicitadas a respeito de eventos irrelevantes? Enfim, por mais gratuito que tais ilustrações se mostrem, serão tudo que se verificará ao alcance de uma audiência disposta a enfrentar excessos e becos-sem-saída em busca de conexões inexistentes. É o oposto do que se tem visto nas produções estreladas por super-heróis e guiadas quase que em sua totalidade pela vontade dos fãs, feitas para agradar apenas aos iniciados. Dessa vez, pelo contrário, a orientação parece ter sido evitar a todo custo conexões e releituras. É como um conto independente, satisfeito em carregar no título um nome de peso apenas por fins comerciais. Nem tanto ao céu, mas também não apenas ao inferno.

Em um prédio condenado, uma mãe há pouco abandonada pelo marido, ao lado de seus três filhos, recebe a visita inesperada da irmã em desespero: está grávida e não sabe o que fazer com a notícia. Um terremoto em pequena escala é suficiente não apenas para acionar o espírito de alerta entre os poucos residentes que ainda se encontram no local, como também para abrir um buraco no subsolo que dá acesso aos antigos cofres do banco que costumava operar no mesmo endereço. Lá, uma das crianças decide se aventurar e acaba encontrando o tal “Livro dos Mortos” – a única relação com os filmes anteriores e que, uma vez visto, já antecipa a série de desgraças que dará início em seguida. Pois bem, assim que o garoto começa a ler o tomo agora em suas mãos, sem qualquer razão aparente será a mulher mais velha que se verá possuída por um demônio sedento por sangue, e caberá à recém-chegada lutar pela sua vida e a dos seus sobrinhos – uma missão na qual irá falhar miseravelmente, ou quase isso. Muita edição picada, altos da trilha sonora para brincar com os sentidos da audiência e cortes de luz sincronizados com efeitos sonoros colocados propositalmente para provocar reações imediatas irão conduzir uma trama na qual nada parece fazer muito sentido: e por mais perdido que se esteja, em ambos os lados da tela, a única certeza será a de se estar, tais como nos batismos brasileiros prévios, em “uma noite alucinante”, seja lá o que isso quer dizer.

Também nos anos 1980, graças ao sucesso de produções como Apertem os cintos, o piloto sumiu (1980) e Corra que a polícia vem aí (1988), Leslie Nielsen se tornou uma figura popular em sátiras debochadas e completamente tresloucadas. Pois bem, ele é o que falta em A Morte do Demônio: A Ascensão. A começar por uma fixação aleatória do diretor com o elevador do prédio, que a despeito de servir para uma citação vergonhosa de O Iluminado (1980), poderia ter sido melhor empregado caso o título fosse A Morte do Demônio: O Ascensorista, que talvez tivesse alguma lógica. Entre uma protagonista indecisa em usar sua presença por aqui como teste para um novo Coringa (2019) ou, de forma menos ambiciosa, para uma sequência do esquecível Sorria (2022), e uma força do mal disposta a exibir uma conduta no mínimo risível (é capaz de possuir corpos, mas se vê impedida de derrubar uma simples porta?), o mais estranho é perceber que todo o estrago que produz serve para ir do nada a lugar nenhum: qual o seu objetivo, afinal? É sabido que Raimi havia flertado com um subgênero conhecido como o terrir – um terror cômico, por assim dizer – mas Cronin só se dá conta disso no terço final de sua história, levando-se a sério em demasia na maior parte do tempo para, ao se aproximar do desfecho, investir nos absurdos como forma de riso. Só se for de constrangimento, pois é tudo o que consegue.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
3
Ailton Monteiro
7
MÉDIA
5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *