Crítica
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Sinopse
Crítica
Profissional especializada em saúde mental, Rose (Sosie Bacon) atende pacientes diariamente numa emergência psiquiátrica. Em certo dia, ela se depara com uma jovem que parece em surto, a julgar pelas estereotipias físicas e comportamentais. A desconhecida diz que na verdade está sendo perseguida por uma entidade sobrenatural e logo depois comete suicídio diante da médica enquanto estampa um sorriso macabro no rosto. Evidentemente, qualquer pessoa sentiria o peso da tragédia, até mesmo quem convive com pacientes mentalmente bastante comprometidos. No entanto, Rose demonstra em vários momentos de Sorria uma afetação (ou falta de traquejo) inverossímil. E, além disso, ela sequer cita a possibilidade de as mentes fraturadas criarem cenários para lidar com adversidades. Em nenhum instante Rose questiona a própria sanidade ao começar a ver a criatura disfarçada com rostos conhecidos. De modo semelhante, ela tampouco cogita ser vítima dos efeitos de um estresse pós-traumático, chegando a refutar veementemente o diagnóstico plausível oferecido pela ex-analista. O fato de Rose ser psiquiatra é uma conveniência, pois justifica seu trânsito por um ambiente comum em histórias de terror (o hospital). A profissão é desimportante como influência primordial de suas ações. Aliás, a falta de consistência dos personagens é algo persistente no filme.
O cineasta Parker Finn utiliza abundantemente o jumpscare como princípio na tentativa de gerar aflição. Incapaz de construir uma atmosfera densa de apreensão, ele opta pelos famigerados sustos como A estratégia para manter o espectador acordado durante um enredo que não consegue sequer maquiar as suas fragilidades. O jumpscare é aquela técnica que consiste numa mudança abrupta de eventos (geralmente marcada por um som estridente) que tem por função gerar susto. Como toda a estratégia e/ou elemento utilizado anteriormente à exaustão, o jumpscare tende a não ser eficaz como era em outros tempos, a não ser que a pessoa encarregada da direção o combine com outras ferramentas narrativas que potencializem seus efeitos. Então, criminalizar a técnica apenas por ela se tratar de um clichê de gênero seria, por exemplo, invalidar o brilhantismo com o qual Stanley Kubrick a utiliza em O Iluminado (1980) – quando o jumpscare já era considerado um lugar-comum, diga-se de passagem. Contudo, no filme baseado na obra de Stephen King o susto arremata a construção de uma inquietação quase sufocante. Já neste longa-metragem ele é o carro-chefe. Sorria é recheado de sustos que causam sobressaltos breves. Se ao menos as surpresas fossem menos previamente denunciadas (e assim deixam de ser surpresas, obviamente), o suspense poderia se tornar um bom aliado para manter o medo.
Outro ponto problemático em Sorria é irrelevância dos vínculos dos personagens. Enquanto Rose está cada vez mais mergulhada na paranoia (ou realmente ameaçada por uma entidade maligna), a vemos interagir com parentes, amores, ex-amores e colegas de trabalho de um modo burocrático e sempre mais conveniente do que qualquer coisa. Os coadjuvantes pesam o quanto valem as suas posições. Joel (Kyle Gallner), o ex-namorado policial, não imprime tensão sexual, tampouco sugere a existência de ressentimentos ou resíduos quanto volta a interagir com a protagonista. Ele é o dono da senha do serviço da polícia e do acesso ao sistema carcerário. Nada mais. O cúmulo da artificialidade de sua concepção é o espanto exagerado diante da foto do cadáver, gesto estranho para um policial experiente. O atual noivo de Rose, Trevor (Jessie T. Usher), é o cônjuge que logo estranha o comportamento da médica. O Dr. Morgan (Kal Penn), o patrão, é restrito ao papel de colega preocupado que, com sua expertise, confirma o evidente: Rose tem problemas. Nenhum deles tem qualquer subjetividade, servindo unicamente de acordo com suas posições dentro desse jogo de cartas marcadas. Até mesmo a irmã mais velha de Rose, Holly (Gillian Zinser), é destituída de personalidade, servindo para nos oferecer mais de acesso (frágil) ao passado de uma protagonista que carrega um trauma enorme nas costas.
Há diversas tentativas de criar um clima de tensão em Sorria. Os planos zenitais (câmera no alto, apontando completamente para baixo) que geralmente denotam uma vigilância superior; a caneca com o sorriso que simbolizaria a morte; a própria ideia contraditória do sorriso que amedronta. Porém, esses subterfúgios e sugestões não são suficientes para combater a crença ilimitada e limitadora no susto como prioridade de gênero, tampouco salvar personagens mal elaborados numa teia esfarrapada em que mental e sobrenatural poderiam se confundir. De determinado ponto em diante, Parker Finn (também responsável pelo roteiro) deixa a dúvida e aposta fichas nas certezas. Denunciado como alimento do maligno, o trauma serve para termos acesso à verdade sobre algo que perturba Rose desde a tenra juventude. Uma vez que compreendemos o modus operandi da aparição sorridente, tende a haver uma confusão entre o suicídio da mãe da protagonista e a senha para a “infecção” das pessoas que passam a ser perseguidas. Rose se torna um alvo não por conta de seu passado longínquo de “testemunha de um suicídio materno", mas de algo que aconteceu recentemente diante da paciente suicida. Desse modo, a agonia por ter presenciado a morte precoce de sua genitora é um acréscimo que desajeitadamente ganha ares de protagonismo no fim. Nem as cenas explícitas funcionam bem, pois o gore (a representação mais gráfica da violência) é colocado na mesma prateleira pontual dos sustos.
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