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Sinopse

Enquanto as diferentes crenças religiosas tendem a nos separar e dividir, a imagem da Nossa Senhora de Aparecida é como o seu manto, cobrindo e protegendo o corpo dos seus fiéis. Aparecida tem como devotos pessoas de qualquer classe social, religião e lugar do país. O filme é construído por diferentes personagens que tem histórias emocionantes, relevantes e particulares sobre a fé em Aparecida.

Crítica

Partindo do título do documentário dirigido por Joana Mariani e Paula Trabulsi, e logo sabendo que a imagem em questão é a de Nossa Senhora de Aparecida, uma das figuras mais adoradas do cristianismo, dá para perceber a intenção de fazer dela um elo entre os diversos povos e doutrinas. Dentro de uma realidade absolutamente sincrética como a brasileira, determinados símbolos desempenham papeis fundamentais e é isso que as realizadoras defendem em boa parte do terço inicial de A Imagem da Tolerância. Tendo como porto seguro o santuário da cidade de Aparecida, no interior de São Paulo, elas enfileiram depoimentos de seguidores de outros princípios religiosos exaltando a importância da santa cuja imagem foi encontrada por simples pescadores no desempenho de seu ofício cotidiano. Há, também, a intercalação de pessoas famosas e anônimas, unidas por um sentimento de devoção bastante genuíno.

Todavia, essa defesa da capacidade gregária de Maria logo perde força como motriz, dando espaço a outras abordagens pretensamente complementares, mas que desviam o longa-metragem do rumo que parecia o mais forte. O primeiro dos "subplots" que promovem essa guinada contraproducente ao todo é o protagonizado pelo empresário chinês que passa valiosos minutos repetindo a importância do cristianismo em sua vida, vide a guinada espiritual proporcionada pela vinda de sua família ao Brasil, entre outros recursos dos quais lança mão para corroborar a exaltação vigente. Desse ponto em diante, A Imagem da Tolerância deixa arrefecer o discurso ecumênico, para transformar-se numa espécie de institucional da fé cristã, apresentada abertamente como via de unificação possível, embora haja a preocupação de dar um pouco de espaço a falas que anunciem a relevância de todos os credos, claro, dentro de uma moral una.

Esse caráter propagandístico é ressaltado pelos interlúdios escritos do Papa Francisco, que entrecortam a narrativa para lembrar-nos da bondade emanante do sumo pontífice. Quando detido em exemplos de fé como os de Débora de Almeida, passista da Mangueira no Carnaval 2017, em que desfilou vestida de Nossa Senhora de Aparecida, e de sua mãe, A Imagem da Tolerância ganha matizes mais multifacetados, pois se desloca ligeiramente de uma dinâmica logo viciada, narrativamente falando. Todavia, Joana e Paula subaproveitam, inclusive, o resultado da peregrinação de ambas, passando quase batidas pela realização do sonho de uma vida. A falta de definição clara do foco central igualmente se percebe no espaço dado às reminiscências de Nany People. A relação da artista com sua mãe ameaça sufocar os demais vieses, ou ao menos enfraquecê-los dentro de uma estrutura macro, no que tange ao desenvolvimento do filme.

A Imagem da Tolerância quer falar acerca de tolerância, mencionando exemplos pessoais, tanto de famosos quanto de anônimos, e ainda abrir uma discussão da valorização da deidade feminina. Aliás, quando as cineastas se voltam ao aspecto da mulher, seja o sagrado ou o mundano, o filme cresce sobremaneira, pois disposto a estabelecer vínculos entre as instâncias simbólica e real. Infelizmente, não há disposição para elevar esse dado, que permanece, ainda que bonito, no campo da conjectura poética. Maria, a mãe de Jesus, não seria personagem secundária no Novo Testamento, mas alguém de espessura vital à consolidação do amor enquanto pedra fundamental da humanidade. A falta de ousadia, a filiação a um filão desgastado, chamado pejorativamente de “cabeças falantes”, bem como o excesso de rumos promovidos superficialmente, debilitam o filme paulatinamente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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