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Sinopse

Otávio é surpreendido por um tabelião após o funeral da Madame Betina. O oficial anuncia ser ele o beneficiário do testamento da falecida. Mas Otávio só receberá o dinheiro após se casar com a filha de Madame Betina, Margot Lovestein, uma desconhecida.

Crítica

Um dos grandes nomes do cinema brasileiro por mais de quatro décadas – seu primeiro sucesso foi Rio 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, enquanto que seu trabalho derradeiro foi Encarnação do Demônio (2008), de José Mojica Marins, lançado dois anos após sua morte – Jece Valadão encarnou como poucos o perfil típico do malandro carioca, sempre rodeado de mulheres, bebidas e confusões. Mas por trás da imagem do cafajeste que tão bem lhe caía estava um profissional comprometido com a produção cinematográfica nacional, que via nessa atividade não apenas um modo de se expressar, mas também um negócio. Um bom exemplo dessa visão é a comédia A Filha de Madame Betina, longa escrito, dirigido e estrelado com razoável competência por Valadão.

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Produzido três anos após O Enterro da Cafetina (1970), A Filha de Madame Betina era um passo na tentativa de se fazer um cinema comercial e popular no país. Ainda que o primeiro filme tratasse da história de Madame Betina, dona do mais famoso bordel do Rio de Janeiro, ele se passava através das lembranças daqueles que a conheceram, todos presentes no enterro da personagem-título. Pois essa continuação começa exatamente no mesmo ponto, só que ao invés de olhar para trás, concentra-se no que viria a seguir. Afinal, um destes que foram tocados por Betina fora Otávio (Valadão), seu filho adotivo, responsável por mantê-la nos últimos anos, quando ela já se encontrava na pobreza. O que ele desconhecia, no entanto, é que essa situação era parte de um jogo preparado pela falecida.

Afinal, na leitura do testamento, ao invés de dívidas e bens irrelevantes, o que se descobre é uma fortuna com um único destinatário: o próprio Otávio! Mas como é de praxe em casos como esse, tomar posse da grana não será fácil. Afinal, ela impôs uma condição: o dinheiro só será dele se concordar em se casar com a filha de Betina. O maior problema, no entanto, é que ninguém ali jamais soube da existência dessa garota, quanto mais tem alguma noção do seu paradeiro! Essa estrutura, bem ao estilo do malandro que é pego por um golpe ainda mais esperto do que aqueles que costuma praticar, abre espaço também para uma paródia detetivesca, em que o protagonista, ao lado de seus três melhores amigos, sai em busca da moça desaparecida. E dê-lhe piadas machistas, homofóbicas, racistas e tudo o mais que o politicamente incorreto da época permitia.

Com uma estrutura narrativa desenvolvida em paralelo, ao mesmo tempo em que acompanhamos os quatro patetas (importante lembrar que Renato Aragão e seus Trapalhões estavam começando a produzir seus primeiros sucessos na mesma época) em suas investigações desastradas, somos apresentados à Margot (Georgia Quental, que havia estado ao lado de Valadão antes no clássico Boca de Ouro, 1963), a tal filha de Madame Betina, que ao lado de seus dois melhores amigos – Selma (Vera Gimenez) e Bruno (Otávio Augusto) – tenta descobrir um modo de pegar a herança apenas para si, sem ter que dividi-la com mais ninguém. Os três playboys são o contraponto aos malandros de rua – estão sempre bem arrumados, de óculos escuros e cabelos ao vento, em carros possantes e em coberturas com piscina, porém, assim como os outros, não possuem onde cair mortos. E apesar dessas diferenças, não será surpresa quando, enfim, decidem juntar forças em nome de um bem comum.

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É neste ponto que A Filha de Madame Betina acaba perdendo seu foco e abrindo mão do tom leve e descompromissado que prometia no início. A união de Otávio e sua turma de caras-de-pau com Margot e seus vagabundos de alta roda acaba gerando, quase que ao acaso, um novo negócio que dá mais certo do que o esperado. Lembra mais ou menos o que Woody Allen faria décadas depois em Trapaceiros (2000), talvez sem o mesmo refinamento, porém com mais originalidade. Assim, de resultado irregular, mas dono de bons momentos – a passagem por Londres chega a ser hilária de tão artificial – este trabalho de Jece Valadão revela o quanto lhe era possível fazer, mesmo tendo tão pouco a sua disposição. Se a realidade fosse outra, talvez um potencial como esse tivesse sido melhor explorado. Mas não estaria justamente nesse jeito de ser o segredo de seu talento?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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