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Sinopse

Almirante tem 92 anos e sente que o fim está próximo. Por isso ele decide se despedir de tudo e todos e desfrutar aquele que pode ser seu último prazer: uma intensa noite de amor com Fátima, sua amante de 37 anos.

Crítica

A questão não é suprir o que nos falta, mas lidar com aquilo que, uma vez dado, nos é tirado. É durante este crucial – para não dizer cruel – processo que somos apresentados ao novo filme de Marcelo Galvão, A Despedida. O diretor que trouxe ao Festival de Gramado o amável e muito bom Colegas (2012), dois anos antes, retorna com um drama inegavelmente pesado e tocante. Inspirada no avô de Galvão, a história traz Almirante, um senhor de 90 ou mais anos, que ao sentir-se consumido pela velhice, decide focar o tempo e a força restantes em momentos especiais. Se a cena inicial, em que acompanhamos o despertar do protagonista, nos permite sentir a batalha entre a vontade de viver e a debilidade física, o pedido de perdão feito a um amigo há muito distante transparece a noção que o personagem tem frente à presença da morte.

Atento à estranha sensação de que a vida pode deixar de ser lei para tornar-se exceção, Almirante resolve visitar Morena. Pelo menos duas décadas mais nova, a mulher – e o amor, pode-se dizer – é o elo mais forte entre o que somos e o que fomos. Toda a experiência é irrecuperável, ainda que passemos o resto dos dias repetindo a mesma ação que a ocasionou. Na casa de mulher, temos frente a frente Nelson Xavier e Juliana Paes. O contraste de dois símbolos distintos – seja pelas gerações que representam, seja pelas carreiras traçadas – surge como uma tensão positiva, ora compactuando junto à generosidade dela para as dificuldades do Almirante, ora instigando o imaginário do público, que procurará criar por e para si um passado que pertence exclusivamente aos dois.

Deflagrar e impermeabilizar a intimidade do casal é um dos pontos altos do roteiro de Galvão. Avançar vagarosamente, no mesmo ritmo de protagonista, é uma estratégia que deu ao filme um contorno próprio, visivelmente emocional e legítimo. Caminharam de mãos dadas, como em um diálogo harmônico entre superfície e profundeza, o debate sobre a velhice e a condição particular – porque o que existe é o homem, não os estágios etários – de alguém a deparar-se com o inevitável. Astuto, o diretor ofereceu as dificuldades do personagem ao espectador através da técnica. Assim, o som amorfo da surdez parcial contamina o início do filme e a vagueza do andar pode ser vista infiltrada na própria evolução do drama. Por outro lado, o risco de transmitir afeição é afetar a história. E disso A Despedida seguramente não conseguiu se desvencilhar.

No cômputo geral, as sequências da debilidade do Almirante – desde os minutos iniciais, passando pela insistente cena da banheira e a caminho da perda de ar, na cama – são acontecimentos plausíveis na realidade, mas os quais a ficção estaria melhor sem. Os cortes em que nos levam à juventude do personagem de Xavier são frágeis e parecem menos contundentes quanto mais aleatoriamente são inseridos. Em momentos pontuais, insistir na condição do protagonista joga contra a admiração que nutrimos por ele, pois tem a forma do uso desnecessário – não por maldade, certamente, mas possivelmente por insegurança do diretor. A beleza de constatar o amor como uma urgência constante desafia a natureza do que somos e aspiramos. Ao despertar uma série de sentimentos, A Despedida demonstra ser um retrato competente da nossa fragilidade – e de como a elevamos a um patamar inegavelmente mais alto.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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