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Sinopse

Inspirado pelos filmes aos quais assistem no instituto para portadores da síndrome de Down onde moram, Stallone, Aninha e Márcio decidem roubar o carro do jardineiro e cair na estrada para realizar todos os seus sonhos.

Crítica

Às vezes, menos é mais. E esse é o caso de Colegas: quanto menos se souber sobre o filme, melhor será a experiência de assisti-lo. Mas o principal é: não deixe de vê-lo! Esta é a produção que melhor combina chances de agradar grandes público e os críticos mais exigentes no recente cinema nacional, uma obra alegre e divertida, que trata de um tema profundo sem leviandade e que ainda propõe jogos linguísticos e visuais com grande estilo. É um daqueles casos que vai desmontando todos os pré-conceitos do espectador, um por um, sem deixar a peteca cair em nenhum instante. A cada reviravolta vem o sentimento “ok, isso foi bacana, mas por quanto tempo irá durar?”, para que logo em seguida surja algo ainda mais interessante e surpreendente. E assim segue até o final, apoteótico e comovente. O bom é que, ao mesmo tempo em que a comunicação com o coração é imediata, o cérebro não é colocado de lado, pois tudo se desenvolve com perspicácia e boas sacadas.

Colegas foi o quarto filme a ser exibido na mostra competitiva de longas brasileiros no 40° Festival de Cinema de Gramado, e muito pouco se sabia a seu respeito até então. O elenco apontava nomes como Lima Duarte, Juliana Didone, Leonardo Miggiorin e Marco Luque – uma mistura, no mínimo, curiosa – mas como protagonistas estão Ariel Goldenberg, Breno Viola e Rita Pokk, todos portadores da Síndrome de Down. Pessoas diferentes, mas não menos ou mais do que ninguém. E esta lição se encontra também nos próprios diálogos da história: “a vida é curta demais para ser pequena”. Com isso em mente, os três, que são amigos e moram numa instituição para jovens especiais como eles, decidem aproveitar cada dia ao máximo, mesmo que para isso tenha que quebrar algumas regras.

Narrado em ritmo de conto de fadas, Colegas mostra estes três companheiros em busca dos seus maiores sonhos: Stalone (Ariel) quer ver o mar, enquanto que Márcio (Breno) precisa aprender a voar e Aninha (Rita) sonha em se casar. Os motivos de cada um são bem justificados, encaixando-se dentro de um contexto plausível. Inspirados pelo filme Thelma & Louise (1991), decidem roubar o carro do administrador e partir pela estrada afora atrás dos seus desejos. Assim como num cartoon do Papa Léguas ou do Tom & Jerry, temos também os que ficaram para trás e se emocionam com as conquistas dos amigos, além da dupla de policiais que os perseguem e os conhecidos que vão fazendo pelo caminho. E essa jornada não será curta: do interior de São Paulo, seguem para o sul, passando por um CTG gaúcho – a praia que visitam é Torres, no litoral norte do Rio Grande do Sul – até chegarem em Buenos Aires, na Argentina. Afinal, para ir longe basta imaginar à altura. E coragem para isso o trio tem de sobra.

Desenvolvido dentro dos moldes mais clássicos dos road movies, Colegas combina bom humor, um ritmo vertiginoso, emoção na medida certa e um sentimento muito feliz de realização. Somos, enquanto espectadores, surpreendidos a todo momento, a começar pelas referências cinematográficas – eles conseguem colocar lado a lado num mesmo diálogo Cidade de Deus (2002) e ...E O Vento Levou (1939)! – e passando pelo insuspeito potencial dos atores principais. Goldenberg e Pokk, que são casados na vida real, haviam aparecido antes no documentário Do Luto à Luta (2005), de Evaldo Mocarzel, e essa boa química se repete também no campo da ficção. Qualquer argumento que possa se pensar a respeito da limitação pessoal destes artistas é derrubado pelo que se vê na tela, atores plenamente capacitados defendendo uma trama envolvente e, acima de tudo, gratificante.

Com direção de Marcelo Galvão, o mesmo do irregular Bellini e o Demônio (2008), Colegas à princípio parece lembrar o recente Hasta la Vista (2011) ou mesmo o francês O Oitavo Dia, pelo qual Daniel Auteuil dividiu o prêmio de Melhor Ator em Cannes com Pascal Duquenne, um rapaz igualmente portador da Síndrome de Down. O melhor, no entanto, é que esta é uma obra que independe de qualquer muleta ou comparação, posicionando-se com louvor pelos seus próprios méritos. Muito se fala no cinema sobre as lições de vida que facilmente abusam da tela grande, mas são raros os casos em que esse jargão pode ser apropriadamente empregado. Aqui temos um deles, e a emoção que toma conta com o desenrolar da história e plenamente genuína e verdadeira. Um trabalho voltado para o público, que pensa no espectador e que sabe se comunicar como poucos, com inteligência e respeito. Tanto em relação aos envolvidos quanto com aqueles que com seu aplauso ou mesmo com um sorriso no rosto deixarão a sessão muito melhores do que estavam no início dela.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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