OLHAR DE CINEMA (6 a 14 de junho) – Júri oficial
Maré, de Amaranta César, não possui uma história com início, meio e fim. É cinema, assim, ancorado na sensorialidade, no simbolismo específico das marés que sobem e descem como um pêndulo ditando as transformações numa comunidade quilombola. As personagens são femininas, as mães-terra, e uma delas “perde” as filhas liricamente para o decurso irrefreável do tempo. Valorizando as paisagens, dos mangues às porções de rio, a realizadora mostra as meninas faltando à aula para se embrenharem nos manguezais, conectando-se com suas antepassadas. O filme dá conta de expressar essa imaterialidade cultural impregnada na comunidade, valorizada pelos cânticos tradicionais, por vigílias de barco nas quais a luz das velas quebra a opressão da escuridão. A natureza desempenha uma função essencial no curta-metragem, pois é a instância de morada e de mistério, onde coisas aparentemente extraordinárias acontecem, em que as jovens podem ser acuadas por um evento cotidiano como a subida das marés. Não é, portanto, de se esperar uma resolução tradicional para um filme longe dos convencionalismos, embora o resultado se ressinta sobremaneira da falta de apontamentos mais pungentes e menos reféns das fragilidades ocasionais. Em Maré o indeterminado é condição sine qua non para a deflagração da ancestralidade, do afastamento de modelos pré-determinados que possivelmente tratariam de dirimir as incógnitas com sabor de imprescindibilidade que a cineasta tão bem conduz por um rio de águas ora calmas, ora turvas.
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