20190114 calma papo de cinema

21ª MOSTRA DE TIRADENTES (19 e 27 de janeiro) – Júri da Crítica
O cenário é um prédio semiacabado, esqueleto posto em pé, provavelmente, pela sanha imobiliária, mas que assim, incompleto, acaba sendo refúgio e ganhando uma valia. O espigão abriga prioritariamente corpos negros vitimados pela miserabilidade, indício bastante claro da vontade do cineasta Rafael Simões de discutir aspectos profundos da sociedade brasileira num curta-metragem de pouco menos de meia hora de duração. A rigidez dos enquadramentos demonstra a melancolia das pessoas emolduradas por paredes sem reboco e/ou carcomidas pela ação do tempo. Todavia, o aspecto sobressalente em Calma é o sonoro. Do ponto de vista simbólico, são os barulhos e ruídos que asseveram o caos no qual aquela população marginalizada está envolta, melhor dizendo, ao qual foi reduzida por uma dinâmica sedimentada a partir dos privilégios de alguns. O texto é rarefeito, especialmente porque os demais elementos da construção narrativa se encarregam de puxar certos gatilhos imprescindíveis. No que concerne à técnica, pura e simplesmente, o som realmente desempenha um papel preponderante, pois muitos dos significantes são entregues por meio da conjuntura audível, dos estampidos, gemidos, gritos de socorro ou sirenes policiais. Calma é um filme que consegue a proeza de debater muitos vieses, trazendo à baila ainda a questão da propriedade, sem necessariamente hastear uma bandeira ou vociferar abertamente. A indignação, o medo, a coragem que advém da necessidade, tudo está ali, impresso no rosto dos personagens, escapulindo das poucas palavras proferidas, sintoma de engenho cinematográfico que prescinde das explicações em função da sensibilidade do espectador.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)