Desejos reprimidos deveriam ser tratados com terapia, mas muitas vezes são deixados onde estão até explodirem na forma de crimes. Parece uma visão muito pessimista, mas não há como negar a existência de uma fonte inesgotável de histórias que se valem dessa premissa para prender o espectador. Se existe um gênero que adora pessoas com problemas de aceitação é o horror. Especialmente se elas forem mulheres. O estereótipo da “louca” ou “neurótica” paira sobre muitos exemplares, modulando a temática em diferentes níveis. Talvez um dos mais conhecidos seja Repulsa ao Sexo (1965), de Roman Polanski, em que a personagem de Catherine Deneuve tenta lidar com seus desejos numa linha tênue entre fantasia e pesadelo. Porém, o diretor espanhol José Ramon Larraz conseguiu ser mais sutil e assustador, filmando na terra da Hammer, produtora que levava mulheres e horror muito a sério.

Symptoms, lançado em 1974, não foi um sucesso de bilheteria e sua redescoberta demorou quase uma década para acontecer. Antes tarde do que nunca, pois o filme busca assustar o público de uma forma bem diferente do que a geração dos anos 80 estava acostumada. Symptoms tem portas rangendo, alçapões misteriosos e o bosque com um lago que, entre um peixinho e outro, abriga corpos em estágio bem avançado de decomposição. Mas, muito antes de nos apresentar o responsável pelas mortes, a produção faz como um bom britânico e convida para o chá. Somos visitantes tanto quando Cora, interpretada por Marie-Paule Mailleux, da casa sinistra de Helen, vivida por Angela Pleasence. O início da amizade entre as duas é desconhecido do público. Adentramos o lar de móveis antigos e muitas fotografias sem entender o objetivo do encontro. Única certeza: há algo de podre na mansão à beira do lago. Literalmente.

A ideia da mulher perturbada por questões referentes à sexualidade não é novidade no cinema. O estereótipo da histérica aparece sempre, inclusive quando não é comprovado. Qualquer sobrecarregada que desaba no choro ou quebra alguns copos e pratos já ganha o adesivo de louca no meio da testa. E o fato de sangrar todos os meses e sobreviver parece um prato cheio para ser associada ao horror. Helen, em determinado momento de Symptoms, quando o público já sabe o que ela faz em seus passeios noturnos pelos corredores, prepara o café da manhã e, ao passar manteiga no pão, percebe a faca suja de sangue. Amarelo e vermelho. Temos um pé na Itália, só que com erotismo moderado.

Quem esperar reencontrar as vampiras seminuas de As Filhas de Drácula (1971), um dos filmes anteriores de Larraz, vai ter de se contentar com sutilezas, um breve tocar de mãos, um selinho, no máximo. A aparência infantil de Helen reforça o arquétipo da menina que não quer admitir as novas formas do corpo e seus desejos, com medo do que os adultos diziam ser “proibido”. Talvez seja o trabalho mais complexo e artístico de Larraz, no qual ele deixou um pouco de lado a exploração dos corpos femininos para se dedicar a suas mentes. E, como homem que é, não se atreveu a fazer um filme de respostas. Mulheres permanecem incógnitas. É o horror que alguns machos ainda não superaram.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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