Ainda que tenha circulado por Hollywood por pouco mais de uma década, Luise Rainer deixou sua marca na meca do cinema mundial com uma força que jamais será apagada. Até hoje é lembrada como a mais jovem intérprete a ganhar um Oscar nas categorias principais – tinha apenas 28 anos quando conquistou sua primeira estatueta por Ziegfeld: O Criador de Estrelas (1936). Foi também a primeira artista – homem ou mulher – a conquistar dois Oscars consecutivos – o segundo viria por Terra dos Deuses (1937) – feito até hoje alcançado por apenas mais cinco pessoas, a franzina alemã nascida em Düsseldorf em janeiro de 1910 faleceu há menos de duas semanas de completar 105 anos, no dia 30 de dezembro de 2014. Uma existência longa e rica de vitórias, que deixou claro que sua vida foi muito mais do que o mostrado pelas luzes da tela grande.
Filha de uma próspera família judia – o pai, Heinrich Rainer, era um homem de negócios – Luise começou a atuar nos palcos bem cedo. Descoberta pelo lendário diretor de teatro Max Reinhardt, foi levada para Viena, Áustria, para fazer parte de sua companhia teatral. Esse período de aprendizado a tornou popular não apenas na capital austríaca, mas também em Berlim, ainda no início dos anos 1930. Ao mesmo tempo, começou a atuar em pequenos papéis em filmes alemães. Antes que estes trabalhos lhe rendessem maior destaque, uma ameaça surgia: a ascensão de Adolf Hitler ao poder. Desesperada para sair da Alemanha, aceitou um contrato de sete anos com o estúdio norte-americano Metro-Goldwyn-Mayer (M-G-M). Tinha apenas 25 anos quando emigrou para os Estados Unidos.
Na mesma época começaram suas desavenças com o chefão do estúdio, Louis B. Mayer. Após a estrela Myrna Loy desistir do papel principal de Flirt (1935), foi seu co-star, William Powell, que sugeriu Luise para substituí-la. Foi sua estreia em Hollywood, amparada por Powell, que teria lhe ensinado os primeiros passos de como atuar frente às câmeras. Ela sempre lembraria dele como um dos colegas mais gentis com quem contracenou. Segundo notícias dos bastidores, o ator teria ameaçado Mayer para acatar seu conselho: “você precisa fazer dessa garota uma estrela, ou caso contrário irei parecer um idiota”, teria dito. O executivo acabou cedendo, mesmo que à contragosto. O resultado foi tão positivo que ela logo foi chamada para trabalhar novamente com o astro. O longa seguinte dos dois seria Ziegfeld: O Criador de Estrelas (1936), um grande sucesso que levaria o Oscar de Melhor Filme daquele ano, além do primeiro dela como Melhor Atriz. Essa vitória foi bastante controversa – ela era relativamente desconhecida e esta era recém sua primeira indicação, além de ser um papel relativamente pequeno, que muitos consideravam coadjuvante.
Naquele mesmo ano conheceria o escritor Clifford Odets, com quem se casaria em 1937. Os dois ficaram apenas três anos juntos, um período conturbado e bastante sofrido: “ele queria que eu fosse a esposa perfeita e, ao mesmo tempo, uma grande estrela de cinema. Era impossível. Nossa união foi um fracasso em todos os sentidos”, comentou anos depois. Outro problema que enfrentava era a necessidade de provar que era uma atriz de verdade e que havia merecido seu troféu. Sua resposta, no entanto, veio rápida. No ano seguinte à sua primeira vitória, ao aparecer como uma chinesa na saga familiar Terra dos Deuses (1937), surpreendeu a todos e conquistou sua segunda estatueta. O que parecia ter sido um grande feito, no entanto, logo se revelou um viés inesperado. A partir de então sua carreira desandou sem recuperação. Até hoje, Rainer é apontada como a primeira vítima da “maldição do Oscar”.
Inconformada com o sistema dos estúdios de Hollywood da época, Luise Rainer se recusava a fazer o que lhe era pedido e vivia em constante crise com seus empregadores. Para ir ao banquete e receber seu segundo Oscar – naqueles anos, os resultados eram anunciados antecipadamente e a festa era apenas para a entrega das estatuetas – por exemplo, ela precisou ser escoltada por um time da M-G-M. “Eu venho da Europa onde participava de um grupo de teatro maravilhoso e minha única preocupação era fazer um bom trabalho. Nunca havia ouvido falar em Oscar antes. Nem sabia o que era isso”, afirmou certa vez. Porém, após suas duas vitórias, ela estava mais dentro do jogo do que nunca. Ou aceitava o que lhe impunham, ou simplesmente caía fora. E sua decisão foi por esta segunda opção.
Seus filmes seguintes foram todos decepcionantes, ao mesmo tempo em que seguia exigindo, sem sucesso, melhores papéis. Mademoiselle Frou-Frou (1938) lhe valeu apenas a experiência de atuar ao lado de Melvyn Douglas, a quem considerava seu melhor parceiro em cena. Labirintos do Destino (1937) lhe colocou ao lado de Spencer Tracy, porém o resultado, ainda que tenha agradado à crítica, lhe provocou fortes dores de cabeça – “o filme até podia não ser tão ruim, mas eu o considerei péssimo”, teria afirmado anos depois. Por fim, voltou a atuar ao lado de William Powell em Os Castiçais do Imperador (1937), uma trama tão confusa que admitia nunca ter entendido completamente.
Luise Rainer tinha pouco mais de 30 anos quando fez seu último filme em Hollywood: Reféns (1943), um drama sobre a Segunda Guerra Mundial. Cansada da rotina de uma grande estrela, queria ter mais aventuras, experimentar coisas diferentes e fugir da fama que tanto a controlava como limitava suas ações. Estreou na Broadway em A Kiss for Cinderella (1942), com direção de Lee Strasberg. Após apenas 48 performances, foi convocada para ir ao norte da África e à Itália se unir aos esforços de guerra e entreter as tropas norte-americanas. Essa jornada acabou mudando sua vida para sempre. Conheceu seu segundo marido – o jornalista Robert Knittel, seu grande e verdadeiro amor, em 1945 e com ele permaneceu até a morte dele, em 1989, tendo tido apenas uma filha, Francesca. Após o término do conflito bélico, mudou-se para Londres e para a Suíça, os lugares preferidos do casal.
Ainda que tivesse deixado a atuação para trás, seguiu fazendo pequenas aparições em especiais e séries de televisão. Seu último longa, no entanto, foi para o cinema: The Gambler (1997), em que aparecia como a matriarca de uma família russa viciada em jogos de azar. “Eu sempre vivi mais do que trabalhei. O que não quer dizer, de forma alguma, que não gostasse da minha profissão. Afinal, cada pequeno momento dela me deu grande prazer e satisfação”.
Filme imprescindível: Ziegfeld: O Criador de Estrelas (1936), seu primeiro Oscar, levou ainda as estatuetas de Melhor Filme e Direção de Dança
Filme esquecível: Os Castiçais do Imperador (1937), filme que ela própria afirmava não entender a trama
Primeiro filme: Sehnsucht 202 (1932), uma comédia musical alemã em que aparecia como uma corista
Último filme: The Gambler (1997), drama biográfico inglês em que aparece como a avó de Doestoyevsky, o protagonista
Seu filme favorito: Considerava sua performance como O-Lan Ling em Terra dos Deuses (1937) como o melhor do seu talento
Guilty pleasure: Ainda que seja seu papel favorito, hoje em dia é no mínimo cômico assistir à alemã Rainer interpretando a chinesa O-Lan em Terra dos Deuses, pelo qual ganhou seu segundo Oscar
Papel perdido: Federico Fellini escreveu um personagem especialmente para ela em A Doce Vida (1960), porém antes de aceitar a atriz exigiu tantas mudanças no roteiro que o diretor acabou abandonando a ideia e simplesmente a cortou da versão final
Oscar: Dois como Atriz Principal, por Ziegfeld: O Criador de Estrelas (1936) e por Terra dos Deuses (1937)
Frase inesquecível: “Ganhei o Oscar pelo meu segundo e pelo terceiro filme. Nada pior poderia ter acontecido comigo”.
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