Existem alguns importantes festivais no Brasil dedicados exclusivamente à questão da diversidade sexual, como o Mix Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e o Close, em Porto Alegre. Há ainda outros que abrem espaço para mostras paralelas voltadas para a temática LGBT, como o Festival do Rio, por exemplo. E há, por fim, aqueles que acabam se tornando militantes meio que por acaso, mais por uma vontade da comissão de seleção, que escolhe filmes do gênero, do que por uma iniciativa própria dos organizadores. É esse o caso do 45° Festival de Brasília. Em quase todas as sessões das mostras competitivas havia ao menos um título que abordava o assunto de uma forma ou outra.
Depois das apresentações do documentário Kátia, de Karla Holanda, sobre o primeiro travesti eleito para um cargo político no Brasil, e de A memória que me contam, de Lúcia Murat, que entre outros personagens apresentou um belo e realista casal gay interpretados por Miguel Thiré e Patrick Sampaio (confira aqui entrevista com o ator Miguel Thiré), o universo homossexual voltou à cena nos dois últimos dias do festival. Primeiro, tivemos mais um eficiente documentário que resgata a vida e a obra de um dos maiores artistas brasileiros e um dos principais ícones da causa gay no país: Olho Nu, sobre o cantor Ney Matogrosso. Dirigido por Joel Pizzini – que, infelizmente, não esteve em Brasília para apresentar seu longa por participar nesta mesma semana de uma homenagem à sua obra em Berlim – o longa careceu de um suporte maior também do próprio retratado, que passou pela capital federal no início da semana, mas no dia da projeção já havia voltado ao Rio de Janeiro, por outros motivos profissionais. A ausência dos dois foi bastante sentida no debate com o público no dia seguinte à exibição.
Assim como Ney Matogrosso, o cartunista Laerte também tem se posicionado de forma bastante firme na mídia nacional em relação à sua transexualidade. Ele é o protagonista do curta ficcional Vestido de Laerte, de Claudia Priscilla e Pedro Marques, e mesmo sem marcar presença no evento mandou avisar: “quero concorrer como melhor atriz, e não como melhor ator. Está na hora do cinema também parar de fazer essa separação de gêneros”! O filme é engraçado e tem bons momentos, mas é mais provável que esse reconhecimento enquanto intérprete fique mais no desejo do ator (ou seria atriz?) do que na boa vontade do júri.
Na última noite da mostra competitiva, dois outros trabalhos lembraram a diversidade sexual e temas relacionados. O curta documental A onda traz, o vento leva, de Gabriel Mascaro, acompanha o dia a dia do jovem Rodrigo (pseudônimo do protagonista), um rapaz heterossexual, surdo e HIV positivo. O retrato é mais intimista do que discursivo, deixando a interpretação aberta a cada espectador. Depois foi a vez do longa Esse amor que nos consome, de Allan Ribeiro, sobre um casal gay, moradores do Rio de Janeiro e unidos há mais de 40 anos, que seguem batalhando pela companhia de dança que administram juntos. O discurso LGBT em nenhum momento ocupa o desenrolar da história, mas mesmo assim está presente o tempo todo como pano de fundo, seja pelos protagonistas como também pelos demais artistas envolvidos.
É muito positivo ver um assunto como esse ser tratado de forma tão natural e com tanta variedade pelo cinema nacional. Durante esta mesma semana está acontecendo na capital portuguesa o Queer Lisboa – Festival de Cinema Gay e Lésbico, e dentre a programação há uma mostra chamada Queer Brasil, com a exibição dos filmes Amores Possíveis (2001), de Sandra Werneck, Como esquecer (2010), de Malu de Martino, Teus Olhos Meus (2011), de Caio Sóh, Olhe pra mim de novo (2011), de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, e A Novela das Oito (2012), de Odilon Rocha. Há poucos anos uma representatividade como essa seria impossível. Sinal de que, de fato, as coisas estão melhorando e finalmente o Brasil está se vendo realmente como é, com todas as cores que possui e orgulhosamente ostenta.
Mas em Brasília 2012 não se discute apenas a diversidade sexual. Há mais a ser dito, e os demais longas e curtas exibidos na reta final comprovam essa vontade. No sábado, dia 22 de setembro, também tiveram vez o curta documental A Ditadura da Especulação, de Zé Furtado, e a animação Phantasma, de Alessandro Corrêa. O primeiro representou o talento brasiliense na competição oficial, e levou ao palco do Teatro Claudio Santoro quase uma centena de participantes da equipe. Realizado como forma de protesto contra um dos principais patrocinadores do festival, a construtora Terracap, o filme registra a desocupação de uma área na capital federal até então ocupada por índios para que no lugar fosse construída um novo condomínio de luxo. O forte discurso lido na apresentação do trabalho causou mais impacto do que a obra em si, mas um esforço de edição das reportagens sobre o incidente do que uma narrativa fílmica consistente. Por outro lado, o desenho animado paulista ofereceu uma reinterpretação do popular musical O Fantasma da Ópera, com um resultado divertido e envolvente.
Os dois últimos curtas da mostra competitiva, uma animação e um de ficção, foram exibidos no domingo, dia 23 de setembro. Primeiro foi o desenho animado Destimação, de Ricardo de Podestá, de Goiás, que apesar da proximidade geográfica não esteve presente para apresentar seu trabalho. Este possui um enredo divertido sobre uma criança que insiste em transformar um papagaio selvagem em seu animal de estimação. A conclusão, no entanto, é frustrante, e o desenvolvimento da história também deixa bastante a desejar, assim como a técnica de ilustração empregada. Por fim veio Menino Peixe, de Eva Randolph, do Rio de Janeiro, forte candidato a melhor filme desta seleção. Bonito e bastante poético, investiga a imaginação de uma menina enquanto aguarda o nascimento do irmão. A atuação da garota foi bastante aplaudida, lembrando outra criança que chamou atenção em Brasília: Raquel Bonfante, presente no longa Noites de Reis, de Vinícius Reis. Com ótimos desempenhos também dos protagonistas Bianca Byington e Enrique Diaz, a história de uma família dissolvida após a morte do filho caçula surpreendeu os espectadores do festival pela sensibilidade na abordagem e pela forma comovente com que a trama se desenvolve.
Outro registro bastante poético e triste foi o do último documentário em longa-metragem da mostra competitiva: Elena, de Petra Costa, de São Paulo. Em pouco mais de 80 minutos, a diretora, acompanhada da mãe (Li An), refaz uma jornada entre o Brasil e os Estados Unidos em busca das memórias e lembranças da irmã mais velha, que se suicidou há mais de 20 anos, quando a cineasta ainda era uma criança. O resultado dividiu as opiniões, mas é impossível negar o potencial emotivo da obra e a beleza estética que apresenta. Registros finais de um festival que, apesar de ser o mais antigo do país, se mostra ainda forte e resistente, revelando talentos, celebrando veteranos e apontando novos caminhos para a nossa cinematografia.
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