Se houve uma marca no resultado final do 41° Festival de Cinema de Gramado foi a distribuição equilibrada de kikitos entre todos os filmes concorrentes. Na mostra competitiva de longas nacionais essa característica ficou ainda mais evidente: todos os oito concorrentes foram premiados, ainda que o nível de qualidade entre eles não tenha sido uniforme. Se uma premiação assim tranquiliza o júri e deixa todos os participantes contentes, por outro lado empobrece o festival como um todo, pois a impressão que oficializa é a da mediocridade, como se tudo tivesse sido mais ou menos igual – e essa sensação não poderia estar mais longe daquilo que foi visto na tela do Palácio dos Festivais.
Merecidamente vencedor dos prêmios de Melhor Filme pelo júri oficial e também pelo júri da crítica, a consagração de Tatuagem, de Hilton Lacerda, serviu também para reparar um equívoco cometido no ano anterior em Gramado, quando o conterrâneo O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, perdeu o prêmio principal para o divertido, porém inofensivo, Colegas, de Marcelo Galvão. Dessa vez, finalmente, o cinema de Pernambuco recebeu o reconhecimento justo. Tatuagem, no entanto, merecia mais, e a ausência dos kikitos de Direção, Roteiro e Ator Coadjuvante (para Rodrigo Garcia) causou constrangimento.
Destes, o caso mais problemático talvez seja o prêmio de Direção, que foi para os jovens Andradina Azevedo e Dida Andrade, responsáveis pelo infeliz A Bruta Flor do Querer. Este foi certamente o ponto mais baixo de todo o festival, um longa vazio e superficial que em nenhum momento chega a ter algo de fato a dizer. No entanto, saiu da festa com dois kikitos, levando também o de Fotografia – outro equívoco, pois o visual amador que apresenta está muito aquém daquele visto em Éden, em Até que a Sbórnia nos Separe e até mesmo em Tatuagem! Resta a torcida para que A Bruta Flor do Querer seja esquecido o mais rápido possível, assim como os seus realizadores.
Os Amigos, de Lina Chamie (melhor montagem) e Primeiro Dia de um Ano Qualquer, de Domingos Oliveira (melhor roteiro), deveriam ter saído de mãos abanando, pois são trabalhos muito aquém daqueles que estes realizadores entregaram em anos anteriores – e também em relação aos demais concorrentes. A animação Até que a Sbórnia nos Separe ficou apenas com o kikito de Direção de Arte (além do júri popular), que foi merecidíssimo. Mas poderia ter ganho também trilha sonora. E o Prêmio Especial do Júri para o documentário Revelando Sebastião Salgado, de Betse de Paula, foi um acerto.
Quanto às interpretações, ninguém tinha a menor dúvida de que Irandhir Santos (Tatuagem) e Leandra Leal (Éden) eram os únicos verdadeiros concorrentes aos prêmios principais. Ambos estão excelentes e magnetizantes, em atuações que se encaixam tranquilamente entre as melhores de suas carreiras. Walmor Chagas, recentemente falecido, teve nesse prêmio póstumo como coadjuvante por A Coleção Invisível mais um reconhecimento ao seu talento e ao conjunto da sua carreira do que um aplauso a este trabalho em particular. No mesmo filme está Clarisse Abujamra, escolhida melhor atriz coadjuvante, uma das poucas surpresas em que o júri oficial acertou na mira.
Longas Estrangeiros
Repare Bem, de Maria de Medeiros, era o melhor filme da mostra, tanto que ganhou os prêmios do júri oficial e da crítica. No entanto, foi curioso vê-lo sendo premiado apenas na categoria principal, enquanto que o filme com o maior número de troféus foi Cazando Luciérnagas, de Roberto Flores Pietro, que ganhou Direção, Atriz (Valentina Abril, que venceu por falta de concorrentes), Roteiro e Fotografia. É questionável também a premiação deste longa colombiano em Roteiro, uma vez que sua trama possui exatamente o mesmo argumento de A Oeste do Fim do Mundo, de Paulo Nascimento (que ganhou apenas como Ator, para César Troncoso, numa decisão acertada, além do Júri Popular). Venimos de Muy Lejos se contentou com o Prêmio Especial do Júri, enquanto que El Padre de Gardel e Puerta de Hierro – El Exílio de Perón saíram, felizmente, de mãos abanando.
Dos seis filmes selecionados na mostra competitiva de longas-metragens estrangeiros, três (ou seja, a metade) eram coproduções com o Brasil: Repare Bem (Brasil-Espanha-França-Itália), A Oeste do Fim do Mundo (Brasil-Argentina) e El Padre de Gardel (Brasil-Uruguai). O primeiro é inteiramente falado em português, enquanto que o segundo tem 50% dos seus diálogos na nossa língua. Se no passado a inclusão de títulos latinos significou a sobrevivência do festival, hoje em dia a realidade é outra, e a fraca representatividade dos títulos inscritos deixa isso bem claro. É de se pensar, para as próximas edições, em três possíveis cenários alternativos, pois o jeito que está, com duas mostras separadas, não faz mais sentido: ou unifica-se todos os concorrentes, e brasileiros, latinos e estrangeiros concorrem juntos ao mesmo prêmio (como ocorre no Ceará, por exemplo); ou cria-se uma mostra paralela, não competitiva e em horário menos nobre (à tarde, provavelmente) para os “convidados” latinos e estrangeiros – uma sugestão seria selecionar os vencedores de festivais irmãos, como Mar del Plata e Havana, por exemplo; ou extingue-se de vez a participação de filmes não-brasileiros, remetendo Gramado às suas origens de festival de cinema nacional!
Curtas Nacionais
Acalanto, de Arturo Sabóia, chegou de mansinho, quase aos 45 do segundo tempo (foi exibido no último dia da mostra competitiva), e fez a festa, levando os prêmios de Filme, Direção, Atriz (Léa Garcia), Trilha Musical e Direção de Arte. Todas as vitórias muito justas, mas acrescentaria mais uma: Ator, que deveria ter sido de Luiz Carlos Vasconcelos. Kauê Telloli, de A Navalha do Avô, está também muito bem, e não chega a ser uma escolha absurda – porém também não é óbvia. Este curta levou ainda o kikito de Roteiro e o Prêmio Aquisição Canal Brasil. O gaúcho Os Filmes Estão Vivos, de Fabiano de Souza e Milton do Prado, levou o Prêmio da Crítica e o Prêmio Especial do Júri, reconhecimentos merecidos, mas ainda assim escassos diante às imensas qualidades que o curta apresenta. As vitórias de Arapuca (Fotografia), Merda (montagem), Tomou Café e Esperou (Desenho de Som) e Carregadores de Monte Serrat (Menção Honrosa) servem também como consolação, pois são títulos que poderiam aspirar a resultados mais impressionantes, que só não foram obtidos devido à alta qualidades dos demais concorrentes.
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