Vencedor de um troféu do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional – e premiado duas vezes no Festival de Brasília, duas no de Cartagena, e também nos de Gramado, Havana e Lima, Rodrigo Santoro é o astro brasileiro de maior projeção internacional da atualidade. Reconhecido como Melhor Ator no Cine PE em 2001 por seu papel em Bicho de Sete Cabeças (2000), foi escolhido para ganhar o Troféu Calunga Honorário em 2017, dezesseis anos depois de sua primeira vitória. Ele, no entanto, já avisou que não poderá vir ao evento. Nós estamos em Recife, e com a ausência do ator, aproveitamos para conversar com ele por telefone e descobrir exatamente o que aconteceu, além de já adiantar outras novidades sobre sua carreira. Confira!
Olá, Rodrigo. Como surgiu o convite para ser homenageado no XXI Cine PE?
Surgiu já há algum tempo. Eles, o pessoal da organização do Festival, fizeram contato há um mês e meio, mais ou menos. Foi a Sandra Bertini, diretora do Cine PE, que me fez esse convite. E é claro que fiquei lisonjeado, me deixou muito feliz a ideia de ter esse momento simbólico aí no festival, pois afinal ele é parte da minha história. Foi um evento muito marcante na época que comecei, com o Bicho de Sete Cabeças, que passou aí e ganhou 9 prêmios, em 2001 (se não me engano a data). Foi um filme muito emblemático, importantíssimo para a minha carreira. E ter passado pelo festival de Recife, ter sido recebido com uma festa muito grande, com apresentação do Maracatu Atômico, a experiência toda foi muito forte. Lembro, ainda, que depois da exibição fomos para um beco, com bares, e comemoramos a noite inteira, foi uma beleza. Tenho uma memória muito bonita de tudo que passei nesse festival. Então, quando me procuraram para fazer esse convite, é claro que fiquei muito feliz.
No entanto, você não virá ao festival, certo? O que aconteceu?
Olha, foi um conflito de datas, pura e simplesmente. Eu estou gravando, logo vou viajar para filmar a segunda temporada da série Westworld (2016-), da HBO, nos Estados Unidos, tem um monte de coisa rolando ao mesmo tempo, e simplesmente não deu pra encaixar. E isso, é importante deixar claro, foi por causa do adiamento do festival, porque estava tudo certo para eu ir na data anterior. Sem falar que também estou com uma filha de um mês! Tenho de ficar com ela agora, né? Aproveitar todo momento que posso. Fora ter de voltar para Los Angeles, preciso renovar meu visto, enfim, um monte de coisas que acabaram acumulando. E é uma pena, tive que tomar essa decisão com uma dor no peito, pois queria muito estar aí. Mas não vai dar. Quem sabe numa próxima?
Todo mundo lembra da passagem histórica no Festival de Brasília, quando Bicho de Sete Cabeças foi exibido pela primeira vez, numa sessão polêmica. Porém, pelo mesmo filme, você também foi premiado aqui no Cine PE. Que lembranças você tem desse momento?
Não foi polêmica, não. Foram vaias declaradas. Em Brasília, o que aconteceu foi uma coisa muito específica. O pessoal vaiou enlouquecidamente a minha presença, isso na apresentação. Ou seja, nem tinham visto o filme ainda. Isso aconteceu por uma série de questões, tinha todo um contexto da época. Mas só em Brasília foi assim. Em Recife, muito pelo contrário, a recepção foi ótima. Claro, sempre tem a tensão por estar em um festival grande, importante. Mas era um momento muito efervescente, da retomada do cinema nacional, e cada filme tinha a sua importância.
Bicho de Sete Cabeças foi um marco, tanto para o cinema nacional como também para a sua carreira, certo?
Era uma raridade fazer um filme na virada dos anos 2000, e o Bicho de Sete Cabeças foi pioneiro nesse movimento. Naquela época os festivais de cinema tinham uma atmosfera muito interessante, havia muita expectativa no ar, e as pessoas estavam apaixonadas por esse retorno, com o fomento artístico acontecendo, pelas próprias convicções de que fazer cinema no Brasil era possível. E era exatamente assim, a gente fazia cinema na raça. Sem apoio, sem ajuda, sem nada! A Laís (Bodanzky, diretora do filme) tinha de contar as latas de negativo, pois havia certo número delas para todo o filme. Não podia desperdiçar. Isso não existe mais. A gente fazia de uma outra forma.
Claro que, depois do que aconteceu em Brasília, você deveria estar esperando todo tipo de reação quando veio para Recife…
Então, tudo tinha uma conotação, e estar em um festival de prestígio como o Cine PE era importante, havia uma adrenalina grande. Essa lembrança permanece comigo até hoje, tenho vários amigos pernambucanos, a galera aí tem uma energia muito bonita. É uma pena mesmo não poder estar aí. Fiquei um mês tentando de todos os jeitos para ver o que era possível. E no fim, nos 45 do segundo tempo, percebi que não tinha como, mesmo. Não vou conseguir, infelizmente.
Você já foi homenageado por outros festivais, como o de Gramado. No entanto, geralmente essas homenagens são direcionadas a artistas de mais idade, com uma trajetória mais ampla. Você ainda é jovem, parece disposto a fazer ainda muita coisa. Como tem encarado esses reconhecimentos tão cedo em sua carreira?
Pois é, me vejo exatamente dessa forma como você descreveu, com muita coisa pela frente ainda. Mas todo reconhecimento é importante. Ontem, por exemplo, chegou esse recado do Oscar, e foi uma surpresa muito grande! Ninguém ligou para me convidar, nunca pedi nada para eles. Só que, de uma hora para outra, meu telefone começou a tocar, muita gente me perguntando o que havia acontecido, e fiquei sabendo como todo mundo, pelas notícias. Foi só aí que descobri o que havia acontecido!
Só faço ideia do choque que você sentiu…
Isso me fez pensar no quanto a gente se sacrifica, trabalha, se esforça, e, de uma forma ou de outra, sempre vem o retorno. E isso em qualquer profissão, ser artista não é diferente das outras. Sempre é preciso muito sacrifício, e por isso que considero importante valorizar qualquer tipo de reconhecimento, num festival no Brasil ou da Academia de Hollywood, pois, de certa forma, é isso que te incentiva a continuar na jornada. A gente precisa seguir se arriscando, claro, dentro daquilo que você acredita, com muita coerência, e isso é fundamental. Nunca sabemos para que lado vai a coisa, e isso é interessante. Então, recebo com gratidão todo tipo de reconhecimento, não importa de onde venha. O Oscar não é maior nem mais importante, mas a gente está falando da indústria mundial de cinema. Especialmente para ela e quem trabalha nela, tem seu valor. Agora, pessoalmente, afetivamente, me comove com muito mais força esse carinho que veio de Recife.
Quer dizer então que agora você é membro votante da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, ou seja, do Oscar. O que isso representa para a tua carreira internacional?
Não sei dizer ainda, é muito cedo. Acabou de me acontecer, ainda estou assimilando a ideia. São reconhecimentos, né? É um título, e eles acabam, de alguma forma, tendo importância para a indústria. Existe um peso, e isso é inegável. Agora, para mim, no meu dia a dia, nada mudou. Continuo na minha batalha, tentando fazer meu trabalho da melhor forma possível. Fazendo a mesma coisa de sempre, com comprometimento e absoluta entrega. Mas lá eles olham para isso, então tem seu significado.
A situação em Hollywood mudou muito de quando você começou para hoje?
Lá a coisa muda todo o dia, é incrível. Cada vez que venho para o Brasil, quando volto tenho a impressão de encontrar um novo cenário. São coisas malucas, que a gente não espera. Lembro quando 300 (2006) estreou nos cinemas. Era um filme muito arriscado, com um visual como nunca se havia feito antes, porém sem algum astro, não haviam grandes nomes envolvidos. E foi uma surpresa muito grande, ninguém sabia o que esperar. Porém, na semana depois do lançamento, a bilheteria foi muito maior que o imaginado. A gente não tinha noção do que isso significaria para cada um de nós, que estávamos envolvidos. Acontece, no entanto, que na semana seguinte os agentes não paravam de me ligar. Recebi todo tipo de oferta naquele período. E nem imaginava que as bilheterias de um fim de semana poderiam ter toda essa influência. Mas é como a indústria funciona, movida a dinheiro. É difícil. Para mim, fazer parte do Oscar é muito legal, mas vai mudar nada, seguirei indo em frente. Fazer bons trabalhos é o que importa, o resto, todos esses reconhecimentos, é claro que os recebo com carinho, são importantes, mas mais como incentivo.
No ano passado você fez dois filmes que permanecem inéditos no Brasil. Um deles foi o aguardado Pelé: O Nascimento de uma Lenda (2016). Como foi essa participação?
Nossa, desse do Pelé nem sei o que dizer. Acredita que nem vi o filme ainda? Ele acabou não sendo lançado por aqui, algo que até agora não entendi. Sinceramente, não sei o paradeiro dele. Tem um investidor peruano que pegou o filme pra si, e acabou dando para ele o destino que achava melhor, foi exibido nos Estados Unidos, em alguns países da Europa. Participei da história de modo muito leve, foi um papel pequeno, não tive um envolvimento grande. Foi um pessoal da Imagine, a produtora do Ron Howard, que me ligou. Eles acreditavam que eu, como brasileiro e estando nos EUA, poderia opinar sobre os atores, dando dicas a respeito do elenco. Acho que a minha maior contribuição tenha sido essa, ajudado a escalar um elenco brasileiro. Eles queriam um garoto para viver o protagonista, o Pelé, que jogasse bola, mas que também soubesse falar bem inglês. Essa foi a maior dificuldade, pois já estavam quase escolhendo um garoto americano. E eu achava fundamental ter um brasileiro nesse papel. Os dois garotos escolhidos – Leonardo Carvalho e Kevin de Paula – foram verdadeiros guerreiros, pois tiveram de aprender foneticamente a falar direitinho, tudo com muito esforço – claro, na parte dos diálogos, pois já jogavam bola para caramba. Mas indiquei outros, o Seu Jorge, o Milton Gonçalves, sobre todos os atores daqui dei minhas opiniões. É um filme bonito, espero que um dia seja exibido no Brasil.
E sobre o Dominion (2016)? Esse chegou a ser exibido no Festival do Rio do ano passado, mas depois não tivemos mais notícias…
Estou esperando. O Dominion foi um filme mais ousado, todo em preto e branco e sobre um poeta maldito, o Dylan Thomas, que foi interpretado pelo Rhys Ifans, que é um ator gigante. Nossa, o cara é da Royal Shakespeare Company, daí já dá pra ter uma ideia, né? Segundo o diretor, vai ser distribuído ainda neste ano nos EUA e na Europa. Se aparecer algum distribuidor no Brasil interessado, tenho certeza que as portas se abrirão. Mas não estou por dentro, não sei o que irá acontecer com ele. O que posso dizer é que adorei fazer, foi uma oportunidade incrível. O filme todo – ao menos a minha participação – foi feito num único cenário, quase como se fosse uma peça. Aliás, a trama vem do teatro, de um texto que o próprio diretor, o Steven Bernstein, escreveu. E adorei ter participado. Me aprofundei no universo dos beatniks, da contracultura, e foi incrível. Gosto dessa parte de fazer pesquisa, a gente fica a par de assuntos que, de outra forma, nunca ficaríamos sabendo. Acabo me levando para esses lugares, e sou apaixonado por esse tipo de descoberta.
E você volta na segunda temporada da série Westworld, certo? Além desses que citamos, o que mais você já pode adiantar sobre teus próximos trabalhos?
Cara, não tenho nada para divulgar. Tem bastante coisa rolando, com certeza, mas fechado nada, ao menos por enquanto. Estou tentando dividir a vida, para me organizar melhor. A série me obriga a trabalhar por cinco a seis meses por ano, e irei me dedicar a ela durante todo o segundo semestre. Então, para o começo do ano que vem, muita coisa poderá acontecer. Estou discutindo trabalhos aqui ou lá também, tenho meus projetos no Brasil, tanto em cinema quanto na televisão. Acho importante estar em Hollywood, porém sem nunca esquecer de onde vim.
O que irá acontecer com o temido Hector Escaton, seu personagem, na segunda temporada de Westworld?
Pois então, também adoraria saber! Vou receber os capítulos amanhã. Recebemos tudo muito próximo das datas de filmagens, fica bem em cima da hora! O estúdio nos obriga a ter uma proteção muito grande com o material, nada pode vazar pela internet, é tudo muito complicado! Sem falar que trabalham muito nos roteiros, até o último instante. Mas já falei com os criadores da série, e segundo eles, estão todos muito animados. Disseram que a segunda temporada vai ser ainda mais ambiciosa. E, vindo deles, não duvido! Os caras são visionários, possuem uma forma de olhar para as coisas muito particular. Acho que vai ser legal, me diverti muito fazendo a primeira temporada. Porém, não sei nem como recomeça a partir de agora, se vai ser uma continuação direta, ou se haverá um pulo no tempo. Estou tão curioso quanto você!
(Entrevista feita por telefone, de Recife para o Rio de Janeiro, em 29 de junho de 2017)
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