Entre 2018 e 2019, o jovem Christian Malheiros se tornou uma figura conhecida do cinema e das séries no Brasil. O ator chamou a atenção de uma das maiores premiações independentes do mundo, o Independent Spirit Awards, onde foi indicado ao prêmio de melhor ator por Sócrates (2018). Em seguida, foi escalado para um dos papéis principais da série Sintonia (2019 -), da Netflix.

No filme dirigido por Alex Moratto, Malheiros interpreta um adolescente que acaba de perder a mãe. Sem ter dinheiro, nem outros familiares que possam ajudá-lo, ele se encontra sem casa, sem emprego e passando fome pela periferia da cidade de Santos. Enquanto busca alguma forma de estabilidade, descobre sentimentos por Maicon (Tales Ordakji).

Segundo a nossa crítica, “o filme possui o ritmo e a intensidade do suspense, ou mesmo do filme de ação. Cada cena é impregnada de uma brutalidade ainda mais forte porque silenciosa”. Leia o texto completo.

O Papo de Cinema conversou em exclusividade com o ator sobre Sócrates, em cartaz nos cinemas:

Christian Malheiros e o diretor Alex Moratto

Alex Moratto disse que você foi escolhido por possuir muitas semelhanças com Sócrates.
Eu também sou da periferia, sou jovem e negro. Eu tenho muito familiaridade com aquele universo, e de certa maneira, também estava contando a minha história. Já passei por algumas das situações do filme. Eu sentia que estava transmitindo um pouco da minha própria vivência.

 

O filme não revela como era a relação do personagem com a mãe, nem com a própria homossexualidade. Vocês construíram na atuação os elementos que ficam ausentes para o público?
Na verdade, muitas coisas ficam em aberto porque eu acredito que não precisamos explicar tudo. O cinema não precisa ser explicado, apenas sentido, e nunca quisemos entregar todas as informações mastigadas. Essas relações não precisaram ser criadas, porque nos pareciam normais: o fato de o Sócrates gostar de alguém não traz nada de diferente de qualquer outra relação afetiva que eu ou outras pessoas possam ter. Estamos falando de sentimentos universais. A única coisa que precisava ser construída, pensada, era o fato de termos um personagem com sentimentos por outro homem. Mas o afeto em si é universal.

Christian Malheiros, Alex Moratto e Tales Ordakji com os prêmios do festival Mix Brasil

Como foi a experiência de ter a câmera sempre colada ao rosto de um personagem tão silencioso?
Às vezes, no cinema, a gente tem muita ânsia de falar, de dar nome às coisas. Mas na verdade os conflitos não precisam ter nome, nem ser descritos. É no silêncio que moram todas as informações de que precisamos sobre Sócrates. Não acessamos alguns elementos sobre a vida dele, mas pela proximidade, nós o compreendemos. Eu ficava calado em diversas cenas, o que me parecia adequado, porque como ele poderia dizer algo naquelas situações? É uma forma de trazer o público para essa reflexão. Eu precisava construir, enquanto ator, estes momentos de silêncio. Ao mesmo tempo, eu precisava preencher estas cenas, e tinha uma responsabilidade de encontrar outros meios de linguagem para passar as diferentes emoções dele.

 

O diretor preferia uma construção mais ensaiada, ou havia espaço para o improviso, a liberdade a partir do roteiro?
A gente trabalhou com muitos ensaios, durante cerca de um mês. Mesmo assim, quando chegamos ao set, o roteiro não estava fechado. Sócrates começou de fato quando chegamos ao set de filmagem. Precisamos lidar com o acaso, com o improviso, porque este projeto não contava com muitos recursos. Então a gente precisava estar pronto para lidar com o acaso. Nós nos preparamos muito, mas para na hora ter a capacidade de lidar com o que viesse.

Sócrates ganhou grande repercussão fora do país graças ao Independent Spirit Awards. Percebeu reações diferentes ao filme fora do Brasil?
As reações foram muito positivas. Mesmo assim, cada um se identifica com o filme a partir de um ponto diferente. Lá fora, talvez tenha ficado mais claro o retrato de um país. Viram as fragilidades do Brasil, um painel das nossas deficiências sociológicas, econômicas. Algumas pessoas se chocaram com uma situação que está distante da realidade deles. Por isso, algumas respostas de fora foram até mais entusiasmadas nesse sentido, mas se trata de uma questão de identificação. Muitos espectadores conhecem, ou ouviram falar de alguém que atravessou uma situação semelhante, seja de perto ou não.

 

Você rapidamente despontou no mercado com Sócrates e Sintonia. Como percebe as oportunidades de inserção de novos atores no mercado audiovisual brasileiro hoje?
Agora, estamos conseguindo mudar muitas coisas. A gente ainda se encaminha para a criação de um mercado audiovisual, com estrutura mais forte. Mas dependemos de leis de incentivo, de ações que partam do poder público. Ainda é mais fácil para os criadores se fecharem e trabalharem com as mesmas equipes com as quais estão acostumados. Quando você tenta entrar nesse mercado, percebe que não é fácil, mas tenho percebido uma renovação nos técnicos, nos atores e diretores. Aos poucos, vamos mudar a cara do mercado e a maneira de fazer cinema. Ainda falta muita luta, e muitos caminhos precisam ser traçados, mas estamos conseguindo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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